Carne Fraca – Carne Forte

 

Até 1974, o Brasil não exportava uma grama sequer de frango ou carne de frango. Um visionário, Nunzio Qustandi Rofa Quraitem, da Brascan Trading, resolveu apostar no frango brasileiro. Conhecedor das necessidades de proteína no Oriente Médio, entrou de cabeça no assunto. População majoritariamente muçulmana, não come carne de suíno e evita a de boi. Prefere o frango.

Com uma caixa de frangos debaixo do braço, Nunzio dirigiu-se ao Oriente Médio. Propunha aos restaurantes experimentarem seu franguinho. Muita coisa se passou até a primeira venda, um lote experimental, realizando sua primeira exportação, logo realizando a segunda. Eram frangos da Sadia, hoje fazendo parte da Brasil Foods – BRF.

Nos primeiros dias de 1977 foi criada a União dos Exportadores de Frangos (Unef). Era composta por dez abatedouros, entre elas a Perdigão. A Sadia ficou de fora, resolveu ser concorrente. Em 2009, a Perdigão viria a comprar a Sadia e criaria a BRF. A BRF era, originariamente, uma marca com a qual Sadia e Perdigão se uniram para explorar novos mercados enquanto concorriam separadamente nos mercados tradicionais e conquistados. Que acabou não dando certo e se desfazendo. Com a compra da Sadia pela Perdigão, inverteu-se isso tudo. A BFR passou a ser a empresa, e Sadia e Perdigão viraram suas principais marcas.

O projeto Unef era de longo prazo, para tornar o Brasil um exportador de peso no mercado internacional. Mas, pela excelência do nosso frango, logo atropelamos a concorrência. A França era nosso principal competidor. Em 1980, já éramos o maior exportador de penosas do mundo. Com alguns anos, perdemos a liderança para os EUA. Mas, há muitos anos a recuperamos e somos o maior exportador de franguetes do mundo. Com cerca de 4 milhões de toneladas ano, trazendo ao país divisas no valor de US$ 8 bilhões. Hoje, com o raquítico comércio exterior brasileiro, representa 4,0% da nossa exportação. Quão longe fomos, sem tanta pretensão assim.

O Brasil tinha pouco mais de 70 milhões de habitantes e o consumo era de 5-6 quilos per capita. Quem se lembra sabe que carne de frango era carne de domingo. Hoje, com mais de 200 milhões de habitantes nosso consumo está acima de 40 quilos per capita. Mostra o trabalho que fizemos e quão grandes tornamos nossos frigoríficos, que nem de longe, sem o comércio exterior que criamos nos anos 1970, seriam o que são hoje.

Nós fizemos parte desse projeto, inicialmente na Deicmar-Haniel, trabalhando exclusivamente para a Unef como seus despachantes nos vários portos brasileiros desde início de 1977. Em 1980, nos transferimos de mala e cuia para dentro da Unef como funcionário. Abandonamos a Deicmar-Haniel, criamos nossos próprios escritórios em alguns portos, utilizando despachantes em outros. Em 1986, com a dissolução da Unef, fomos para a Perdigão que ficou com todo o ativo dela. A Unef já havia feito seu papel. Agora os abatedouros caminhariam sozinhos. Ficamos lá até 1995 quando fomos para a Sadia, onde ficamos até início de 1998.

O papel do Nunzio, o de todos que colaboraram nisso, bem como o nosso, estava concluído com o maior mérito possível. O sonho estava realizado. Iniciamos a exportação de frangos, consolidamos o País, hoje dono de algo como 35-40% do mercado mundial de frangos. Exportando para 160 países.

A carne bovina e em bem menor grau a suína, também conquistaram o mercado internacional. Na carne bovina, o Brasil também é o maior exportador do mundo. A carne suína ainda deixa a desejar, embora ela seja a mais apreciada no mundo, com consumo de cerca de 40%. Embora tenhamos no mundo dezenas de países de religião Islâmica que não a consomem.

Agora, fomos todos pegos de surpresa com a operação “Carne Fraca” da Polícia Federal. Apontando irregularidades na sua produção. Um completo desastre para a economia brasileira, que pretende se redimir dos últimos fracassos e com a maior recessão da sua história. Este ano pretende voltar a crescer, embora com números pífios. Diante dessa hecatombe ficamos todos seriamente preocupados. Afinal de contas, para uma exportação de pouco mais de US$ 180 bilhões em 2016, nossas carnes trouxeram ao país US$ 14 bilhões.

Com a nossa excelência, nada, nada justifica que os frigoríficos, se realmente fizeram algo errado, teriam razões para isso. É quase inacreditável pensar em algo desse tipo. Se o fizeram, trata-se de um dos erros mais graves já cometidos em nosso agronegócio. Que tem sido a salvação da Lavoura há muitos anos.

Nosso agronegócio é sempre superavitário, muito mais exportação que importação. De 2011 para cá tem apresentado superávits sempre acima de US$ 70 bilhões ano. O que significa que, sem ele, a balança comercial brasileira é historicamente deficitária. Ou seja, não precisamos fazer nada errado nesse campo. Somos os melhores.

Mas, se nada de errado tiver sido feito, e foi uma questão de engano da Polícia Federal, ou a criação de um escândalo desnecessário, comprometemos mais de quatro décadas de trabalho para chegarmos ao ponto que chegamos.

O fato é, com problemas ou sem problemas, podemos ter comprometido nosso futuro imediato da carne. Se muitos países deixarem de compra-la, teremos que colocá-la no mercado interno. E não temos mercado consumidor para isso. Se o mercado interno também resolver jogar pesado, teremos à nossa frente um dos maiores desastres econômicos da nossa história, seguindo a maior queda econômica de todos os tempos, com recessão de 7,5% e empobrecimento de cada brasileiro em 9,5% apenas nos anos de 2015/2016.

A nossa sorte é que os países compradores não têm como suspender suas importações de nossa carne ad eternum. Não há no mercado mundial quantidade equivalente para reposição da nossa carne.

É incrível como a cada dia nos apresentamos mais ao mundo como um país não confiável, o que é o maior prejuízo brasileiro.

Revista Virtual Sem Fronteiras
Aduaneiras

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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