Incoterms® 2020: feliz e infeliz (estudar e estudar)

 

Em todos os nossos cursos de Incoterms® 2020 ensinamos a nossos amigos que esta versão foi feliz e infeliz ao mesmo tempo. Tiveram muitas coisas boas incluídas, mas algumas incompletas. Ao passo que fez uma alteração de termo infeliz, sem sentido.

O que não quer dizer que ela é incompreensível, como se pode vir a pensar a priori. Muito ao contrário. Sempre falamos e insistimos que os Incoterms® 2020, assim como qualquer versão anterior, são um instrumento perfeito do ponto de vista do que é e representa.

Os Incoterms® nunca apresentaram ou apresentam dúvidas em quaisquer de seus termos e de seus artigos em cada termo. Nisso ele são perfeitos, sem falhas.

Como sempre colocamos, se houver alguma dúvida entre as partes que estão usando o Incoterms®, certamente uma das partes o desconhece como deve, ou ambas as partes. Reiteramos que o instrumento em si é claro e jamais deixa dúvidas no que quer que seja.

Assim, aproveitamos para insistir que esta versão deve ser muito bem estudada, em face das suas felicidades e infelicidades, para não se cometer erros ou equívocos e vir a perder algo.

Ele trouxe mudanças boas, mas, ao mesmo tempo, incompletas. O que faz com que seu estudo seja absolutamente necessário, para a diminuição de eventuais equívocos e erros.

A versão 2020 deixou o instrumento bem mais claro, e basta uma boa leitura, ou principalmente estudo, para perceber isso.

A Introdução ficou bem mais clara, não deixando dúvida alguma sobre o instrumento, como usá-lo e para o que serve.

As Notas Explicativas para os Usuários substituíram as Notas de Orientação e voltaram a fazer parte dos Incoterms®, como ocorria antes da versão 2010. Era um contrassenso elas aparecerem no início de cada termo, com o objetivo de explicar os seus fundamentos, quando e como eles devem ser usados, quando os riscos são transferidos e como os custos são alocados entre as partes, não fazendo parte dele.

Essa versão inaugura também uma excelente apresentação horizontal, agrupando todos os mesmos artigos, um a um, de A1 a A10 e B1 a B10 dos 11 termos. Vindo primeiro os do vendedor e, em seguida, os do comprador. Ela vem após o fim da apresentação tradicional de todos os termos com suas obrigações para o vendedor e para o comprador.

Quanto à eliminação do termo DAT – Delivered at Terminal e inclusão do DPU – Delivered at Place Unloaded, entendemos que foi muito infeliz. Antes tínhamos dois termos, DAT – Delivered at Terminal e DAP – Delivered at Place, que separavam terminais (portuários, aeroportuários, pontos de fronteira e portos secos), de locais (no navio, não desembarcado, ou em algum outro ponto qualquer que não seja um terminal, incluindo a casa do comprador).

Com a mudança de DAT para DPU misturou tudo, terminais e locais. Os dois agora são exatamente iguais nisso. A única diferença entre os dois termos é tão somente estar no veículo chegado e não desembarcado (DAP) e desembarcado (DPU). Sem sentido criar-se um termo para isso. O DAT era muito mais adequado.

Mudou-se o termo CIP quanto a seguro básico, que agora determina a cláusula “A – All Risks” como padrão. Mas manteve o CIF, termo exclusivamente aquaviário (marítimo, fluvial e lacustre) com cláusula básica “C”. Justamente a cláusula básica de seguro que não cobre água no container e na carga, o que pode ocorrer numa viagem em águas. Ou seja, teriam que mudar os dois, para andarem juntos, como sempre foi. E, decidindo mudar apenas um, como aconteceu, a mudança teria que ter ocorrido no CIF e não no CIP. Além do contrassenso de recomendarem ao comprador contratar seguro no termo CFR. Este instrumento não é para isso. E, também nisso, cometeram outra falha. Recomendarem isso ao CFR e não ao CPT.

Além de contratar transporte com terceiros transportadores, agora se permite que o transporte possa ser organizado com meios próprios do vendedor e do comprador em alguns termos. No FCA por parte do comprador e no DAP, DPU e DDP por parte do vendedor.

Por que apenas FCA para o comprador, e não também no EXW? E por que não no FAS e FOB se ele, eventualmente, for também armador?

E por que não nos termos CFR, CIF, CPT e CIP para o vendedor, se é ele que contrata e paga o transporte até o destino? Muito embora ele entregue a mercadoria em seu próprio país, e o risco da viagem internacional seja do comprador. Por que nesses, só prevê transporte com terceiros?

O termo FCA prevê, no transporte marítimo, que o vendedor, possa entrar de posse do Bill of Lading, após a ocorrência do embarque e com anuência do comprador, para posterior envio ao comprador. Esta colocação nos Incoterms® se deve a operações de carta de crédito financiadas pelos bancos ao seu cliente comprador. Com consignação do Bill of Lading à ordem do banco, para sua garantia de financiamento. Por que não também no EXW, FAS e FOB? Os bancos financiam também operações com estes termos. Ou qualquer um dos outros.

O termo FCA continua representando “dois termos”. Um com a entrega da mercadoria na origem, na casa do vendedor, no veículo do comprador. Outro com entrega mais à frente, local a combinar, no veículo do vendedor, não desembarcado. Note-se que há mais diferenças entre os dois FCA, do que a diferença entre o FAS e o FOB, apenas de tirar a mercadoria do caís e levar ao navio.

Também continuaram ignorando a criação de um termo que sugerimos na revisão 2010, do qual fiz parte como primeiro brasileiro na história a participar de uma revisão: a criação do CNI – Cost and Insurance (Custo e Seguro). Argumentamos por três anos e em artigos que temos o FOB/FCA apenas para a mercadoria. O CFR/CPT com a mercadoria e frete. O CIF/CIP com a mercadoria, frete e seguro. E que faltava CNI – Cost and Insurance com a mercadoria e seguro para fechar o circulo. Fomos voto vencido com a frágil argumentação de que era pouco usado. Argumentamos que seria pouco usado, mas seria. E, também, que não entendíamos sua não inclusão, se existia o FAS – Free Alongside Ship, que nunca usamos e nunca vimos ninguém usar. Saíram pela tangente sem justificar adequadamente.

Apenas para constar, somente 20 meses após o seu lançamento, e 17 meses após sua entrada em vigor, a ICC Brasil colocou a tradução em Português à disposição dos profissionais brasileiros de comércio exterior.

Uma pena tanto atraso prejudicando um pouco os profissionais brasileiros. Só para registro histórico, a nossa tradução oficial para a versão 2000, aprovada pela CCI Brasil e Paris, estava pronta antes da sua entrada em vigor em 01/01/2000, e já publicada pela Aduaneiras e à disposição dos profissionais de comércio exterior.

Não conseguimos até hoje entender o que aconteceu com a revisão para a versão 2020, com tantas falhas, a priori, injustificáveis. Mas, como costumamos dizer, há mais coisas entre o céu e a terra, do que nuvens, chuvas, aviões, drones e paraquedistas.

https://www.aduaneiras.com.br/Materias?guid=390492e5c31469bbe0637f0110ac6dd5&q=samir%20keedi%20-%20Incoterms

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

Share This Post On

Submit a Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *