Bill of Lading, Sea Waybill e a Receita Federal do Brasil

 

Recentemente, escrevemos um artigo sobre a forma como o Brasil funciona quanto ao conhecimento de alguns intervenientes no comércio exterior. Isto é, nem sempre funciona. E a cada dia que passa nos surpreendemos mais com a forma como a própria Receita Federal do Brasil (RFB) age. Desconhecendo quase tudo que é vital para o bom funcionamento do comércio exterior do país.

A RFB age neste país apenas como arrecadadora de impostos e controladora das empresas que fazem comércio exterior. Ela parece não existir para ajudar, mas para tratar exportadores e importadores como não confiáveis. Sem falar que cada fiscal é uma Receita Federal. O Regulamento Aduaneiro publicado é um, mas sua interpretação é feita de milhares de maneiras. É só ver e perguntar a cada um que transita pela área. E, mais que isso, é só ver quantos controles existem para o comex. Bastaria um e temos aos borbotões.  O resto, para ela, parece não ter muita importância.

O sentido de arrecadação fica patente quando olhamos para trás, ao longo dos anos, e vemos os absurdos já perpetrados. Em especial, importadores tendo que colocar no valor aduaneiro as despesas com capatazia ou THC – Terminal Handling Charge. Nomenclaturas utilizadas para movimentação de carga geral ou granel no primeiro caso e containers no segundo caso, nos terminais portuários. Esta é uma despesa portuária, portanto, no país, após o desembarque da mercadoria. Nem o próprio Regulamento Aduaneiro fala sobre isso. Ele apenas fala em despesas relacionadas com embarque e desembarque de mercadoria. É o desvirtuamento das nossas próprias normas. Embora saibamos que essa descrição é para evitar problemas internacionais.

E, ao longo do tempo, vemos os absurdos transcorrerem. Há alguns anos vimos essa mesma RFB dispensar o conhecimento de embarque para retirada da mercadoria nos armazéns após o seu despacho. Mostrando novamente sua simples face arrecadadora. Em que para ela bastava o pagamentos dos impostos e “tchau”.

Assim, prejudicando enormemente os intervenientes do comex, em especial os NOVCCs – Non Vessel operating Commom Carrier, que passaram a não ter controle sobre seus créditos com os importadores. Visto que mesmo não os pagando, poderiam retirar a mercadoria. E prejudicando também os exportadores estrangeiros, pois os importadores poderiam retirar a mercadoria mesmo que os exportadores não tivessem enviado o conhecimento de embarque ao Brasil, por falta de recebimento pela sua venda. O que foi mudado depois de bastante tempo, mas, não da forma adequada pela RFB.

Agora nos deparamos com mais uma coisa absolutamente inacreditável. E mais inacreditável se torna, pois vindo, novamente, da Receita Federal do Brasil. Não se consegue entender como ela não evolui para facilitação e ajuda ao nosso comércio exterior, que piora a cada dia.

Ela resolveu que apenas o Bill of Lading é um documento de transporte marítimo. E o documento hábil para o despacho e retirada da mercadoria. Que o Sea Waybill não é nada além de nada. Os dois documentos são contratos de transporte, recibo de carga e respectivamente, título de crédito e título de propriedade. Não fosse assim, por que os armadores dariam um Sea Waybill como prova da entrega de carga a eles para o transporte? Sendo entregue como essa prova, e não servindo para despacho e, consequentemente, para retirada da mercadoria, para que ele serve? Nunca se viu os armadores entregando um Sea Waybill e, ao mesmo tempo, um Bill of Lading. O que seria um contrassenso sem precedentes.

Seria bom a RFB aprender algo com a Diretoria de Portos e Costas (DPC), que em sua portaria 164 de 25 de maio de 2016 reza: “2.3. Contrato de transporte significa um contrato no qual uma companhia de navegação se compromete a transportar mercadorias de um lugar para outro, mediante o pagamento de frete. O contrato pode tomar a forma de um documento tais como conhecimento de embarque “bill of lading”, conhecimento de embarque simplificado “sea waybill” ou um Conhecimento de Transporte Eletrônico (CTE).” Jamais deveríamos ter conflitos entre autoridades, o que mostra que tipo de país nós somos, em que ninguém conversa e se entende.

Portanto, o mínimo que se espera de uma autoridade de controle e arrecadação do comércio exterior é que seja um ente integrado ao país, e não isolado e considerando-se autossuficiente. Facilitador e não complicador do nosso comex. Um ajudante do desenvolvimento do país e não um “atrapalho”. Que pare de fazer coisas que lhe dão na veneta, sem consulta a demais órgãos, profissionais de comércio exterior e, especialmente, consulta ao bom-senso. Estamos todos aqui para ajudar.

Sea Waybill é um documento que sempre foi aceito para despacho pela RFB. E com o qual sempre se retirou a mercadoria. Sua característica especial, e diferente do Bill of Lading, é que ele nunca é emitido à ordem ou à ordem de alguém, mas, somente com consignação direta. O que significa que não pode ser endossado e transferido a terceiros. Em que o despacho seja obrigatoriamente feito pelo consignatário estabelecido nele.

Receita Federal do Brasil, baixe à terra, é aqui que as coisas acontecem. O comex é de todos, em especial dos seus intervenientes que se propõem a fazê-lo a despeito de todas as dificuldades que se criam para tal “neste nunca antes nesse país”. Nosso comex não pode ser a antessala do inferno, mas o paraíso para as necessidades do País.

 

Revista Virtual Sem Fronteiras

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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