Retrocesso no comércio exterior

 

Há muitos anos vimos, contra a corrente geral, em especial a incompetência do governo federal, afirmando que o Brasil não tem bons fundamentos na economia, e que tudo que se diz não passa de histórias da carochinha.  Sempre com o intuito de escamotear a verdade e praticar a manutenção do poder em bases falsas. A atual crise mundial mostrou isso claramente, embora ainda haja gente não querendo ver.

A marolinha já é um tsunami e a economia está caminhando para o desastre, podendo ficar em frangalhos. O desemprego de dezembro, portanto apenas um mês, devorou um terço do que o país precisa criar de empregos por ano, apenas para recepcionar a juventude que chega ao mercado de trabalho. Que “São 2009” perdoe nossos pecados e seja mais complacente, o que não é provável.

Deixando esta economia de lado, em que teríamos muitos coisas a falar, mas que seriam apenas repetições, pretendemos nos fixar em outra economia, que é o comércio exterior. O governo, sem mais nem menos, em meados da segunda quinzena de janeiro, e numa área que vem funcionando a contento nos últimos anos, resolveu jogar anos de trabalho, evolução e sucesso na lata de lixo. Com isso, arriscando a destruir uma das poucas coisas que temos visto de bom. E tudo no sentido de igualar toda a economia tupiniquim. Por baixo. Sem falar na perda da confiança.

Surpreendentemente, sem aviso prévio ou qualquer portaria ou algo similar, mas num simples tratamento administrativo no Siscomex – Sistema Integrado de Comércio Exterior, resolveu voltar a exigir LI – Licença de Importação para cerca de 60% em valor das nossas importações. Levamos anos para fazer com que a esmagadora maioria da pauta fosse livremente negociável e entrasse no país apenas com a DI – Declaração de Importação. E agora, num simples passe de mágica, sim temos que considerar mágica, determinamos o retorno aos anos 70 e 80, em que as importações eram fortemente controladas.

E isso apenas porque, após superávits de acima de 20 bilhões de dólares em cada um dos últimos seis anos, e acima de 40 bilhões em dois deles, tivemos um mísero déficit de 600 milhões de dólares nas primeiras três semanas deste ano. Isso é radicalismo e politicazinha de comércio exterior de fundo de quintal, e não de um país que deseja ser um dos melhores e maiores do mundo.

Engraçado como isso não ocorre com as mais altas taxas de juros e carga tributária do planeta, que limitam o consumo e o investimento. Não seria o caso de agir nelas para ficarmos mais competitivos?

Com todo mundo pego de surpresa, o comércio exterior com chances de ser paralisado, o Ministério da Fazenda teve que negociar com o do Desenvolvimento, já que o primeiro não concordava com as ações do segundo. O que mostra que no governo ninguém se fala, e todos dormem em quartos separados, embora casados. Afinal, governo é uno. Ou não?

E, pior de tudo, uma medida tão radical que, em nossa opinião, levava todos os contornos de “bode na sala”, ou seja, o governo radicaliza, negocia, e cede, e posa de mocinho, com toda a nação de comércio exterior agradecida. Filme já conhecido, e que nem indicação ao Oscar teria.

E o pior é que o presidente passa o tempo todo dizendo ao povo para consumir, que a economia tem que girar.

Não há diferença com o comércio exterior, e uma barreira não-alfandegária tem o condão de paralisar o setor. E também com os malefícios de retirar mercadorias mais baratas do mercado, as importadas, para que se consuma as mais caras, fabricadas aqui, com todo nossa incompetência na área de juros e tributos, para dizer o mínimo.

Uma medida dessa teria que ser revogada rapidamente, e não perdurar mais do que algumas horas, com o MDIC voltando a prestar relevantes serviços à nação.

Mas, mesmo com sua revogação, o desserviço ao comércio exterior já foi concretizado, retirando a confiança de todos os agentes econômicos envolvidos na área. Agora, como reagirão nossos parceiros comerciais diante de tão insólita atitude, quando tantas outras poderiam ter sido tomadas? Qual a confiança deles em nós?

Será que ninguém no governo pensa que o comércio exterior é uma via de duas mãos, e que importar é o que exporta? Deixando de comprar dos outros, eles não deixarão de comprar de nós?

Parece que continuamos na mesma, e só temos espasmos de boas políticas, que na maioria são políticas ruins.

Com isso começamos a temer mais ainda pelo futuro, e já nos lembramos dos velhos programas de importação dos anos 70 e 80, que se baseavam no ano anterior. Será que vamos começar a reviver os mortos? Esperamos que haja uma reversão na balança comercial, caso contrário, não sabemos o que poderá ocorrer.

Brasil, sempre o mesmo, com seu complexo de pequenez. Acorda Brasil!, já dormiu muito, mais de meio milênio.

Dom Quixote: Quando se sonha sozinho…é apenas um sonho. Quando sonhamos juntos, é o começo da realidade.

revista Global

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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