RFB, conhecimento de embarque e carga – o retorno
Há meses escrevemos um artigo sobre a entrega de mercadorias pelo fiel depositário sem a exigência da apresentação do conhecimento de carga pelo importador. O que sempre foi feito e é uso internacional. E que aqui foi liberado pela RFB – Receita Federal do Brasil, num ato provavelmente impensado ou de desconhecimento do que é o conhecimento de embarque marítimo.
Esses problemas, parece, afetaram mais os NVOCC – Non Vessel Operating Commom Carrier (Transportadores Comuns Não-Operadores de Navios). Erroneamente chamados pelo mercado de Agentes de Carga. Também pela RFB, que parece não saber ainda o que eles são. Em que nem há lei para eles no país, mesmo operando aqui há quase três décadas.
Entendíamos que isso feria regras e que a RFB havia entrado em seara alheia, fora de seu papel. O qual não conhece, e o fez apenas pela questão da nova posição de Porto Sem Papel. Isto é uma coisa boa, descumprimento de regras e usos e costumes é outra.
Um dos conhecimentos de transporte marítimo (Bill of Lading – B/L), por exemplo, é contrato de transporte, recibo de carga e título de crédito. E, como título de crédito, vale mercadoria.
Repetimos o que já dissemos antes. Que a RFB havia passado por cima da sua competência. E do Código Comercial Brasileiro, Lei 556 de 25/06/1850. Velho, antigo, mas válido, por enquanto. E por cima dos interesses dos maiores interessados, como os transportadores e fiéis depositários.
Também entendíamos que feria a Lei 10.833/03 em seu artigo 71, que reza: “Art. 71. O despachante aduaneiro, o transportador, o agente de carga, o depositário e os demais intervenientes em operação de comércio exterior ficam obrigados a manter em boa guarda e ordem, e a apresentar à fiscalização aduaneira, quando exigidos, os documentos e registros relativos às transações em que intervierem, ou outros definidos em ato normativo da Secretaria da Receita Federal, na forma e nos prazos por ela estabelecidos”.
Desde a determinação e demonstração de força onde não podia ter, a RFB demonstrou ao mundo como as coisas podem funcionar mal no país. E prejudicar quem intervém no comércio exterior. E não apenas no país, mas no exterior. Assim como a ela própria, por tomar atitudes incoerentes e inconsistentes com o que se passa no restante do mundo do comércio exterior.
No país ela prejudicou os NVOCCs que se viam diante de uma situação insólita. De poder ver a carga entregue pelo depositário sem que eles recebessem suas despesas. E até mesmo frete. Situação absolutamente real, e não apenas hipótese. Bastava o armador receber suas despesas e fretes e ele liberaria a carga. Em que o NVOCC ficava a ver navios. Para que o armador não a liberasse, o NVOCC não deveria pagar suas despesas e fretes a eles. Mas, que também de nada adiantaria se a compra fosse num Incoterms dos grupos “C” e “D”, em que o frete é pago na origem, por exemplo, CFR . O armador liberaria, pois nada lhe era devido.
Prejudicava o próprio fiel depositário, desde que a Lei 10.833/03 exige que ele guarde os documentos por determinado tempo. E, para o fiel depositário, entendemos que o documento a ser guardado é o conhecimento de embarque.
No exterior criou confusão e problemas para os exportadores estrangeiros, que vendiam suas mercadorias ao Brasil. Em que o importador, mesmo sem pagar o exportador, apenas pagando despesas e fretes, podia retirar a mercadoria. Ninguém conseguia entender o que aqui se passava. Um país grande, que não consegue ser um grande país.
Quando escrevemos o primeiro artigo sobre o assunto, um dos nossos leitores, e amigo, nos parabenizou por ele, nos dizendo que havia viajado ao exterior a negócios, e que não havia conseguido explicar a ninguém o que era essa nova regra brasileira.
Há alguns meses recebemos de uma amiga um e-mail de uma empresa com quem a empresa dela trabalha no exterior, estarrecedor do que achavam de nós lá fora, sobre a retirada da mercadoria sem pagamento ao exportador. Que segue abaixo, em tradução livre:
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Espere, espere…..se o embarcador reter o original, e não tiver recebido o pagamento das mercadorias do consignatário, COMO nós poderemos explicar ao embarcador que o seu consignatário retirou as mercadorias SEM apresentação do BL original…???
Sabe o que o embarcador nos dirá ?? Por que seu agente/armazém no destino liberou as mercadorias…? Esta é a questão.
Você precisa estar certo que –apesar das excentricidades do Governo e Alfândega brasileira- NENHUMA carga seja liberada sem apresentação de um original do BL.
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Mas, recentemente, em 06/02/2014, a RFB publicou a IN 1443 que em seu artigo 1º. Reza “§ 3º O disposto no § 2º não dispensa o depositário de adotar medidas ou de exigir os comprovantes necessários para o cumprimento de outras obrigações legais, em especial as previstas no art. 754 da Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.”
O Código Civil exige a apresentação do conhecimento de embarque. Portanto, entendíamos a situação como resolvida. A RFB voltava atrás e restabelecia a normalidade. Portanto, tudo como dantes no quartel de Abrantes.
No entanto, tínhamos informações de um NVOCC de que nem todos os depositários e terminais portuários brasileiros estavam cumprindo a IN e o Código Civil. Em que nos perguntamos uma vez mais “Que país é este em que normas legais não são cumpridas, nem as autoridades exigem seu cumprimento?
Agora, passado mais algum tempo, parece que está tudo em ordem, o conhecimento de embarque está sendo exigido novamente, como sempre deveria ter acontecido. Espera-se que não tenhamos mais ninguém descumprindo as normas e que tudo esteja de acordo agora. Também esperamos que a RFB não haja mais de acordo com suas vontades, mas de acordo com o que existe no mundo e que as regras sejam respeitadas.
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