A Copa e o trem de alta velocidade
O Brasil, conforme já dissemos algumas vezes, é um país no mínimo estranho. Primeiro se prontifica e luta com unhas e dentes para fazer uma copa em 2014, que em nossa opinião não deveria ser pleiteada. Não tem nada a ver com nosso atual momento. O futebol brasileiro vive dias complicados fora do campo, o que aliás já vem de muito tempo.
Todos, ou quase todos os nossos principais clubes são deficitários e devedores. Enquanto pagamos nossos impostos religiosamente, os clubes não o fazem, e está tudo bem. O público nos estádios não condiz com a grandiosidade de nosso futebol, mas isso é explicável. Ingressos caros, comando da televisão, horários inadequados dos jogos, violência, etc. O afastamento do público dos estádios é consequência da situação econômica do país, que joga milhões na marginalidade. E a educação, claro que a sua falta, está na base de todos os nossos problemas, em especial econômicos.
E, diante de tudo isso, vamos gastar bilhões de reais para fazermos uma copa. Pode-se argumentar que ela se pagará, e se não o fizer, fica o prazer do país e seu povo de a ter realizado. Ok, mas prazer não é o suficiente, pelo menos para nós.
Estamos preocupados com outras coisas, que não a realização da copa em si. Gostaríamos de saber o que faremos com os estádios que surgirão até a copa, quem os sustentará com a grandiosidade que ficarão. E, todos sabemos, que este é um país megalomaníaco, em que tudo tem que ser grande e o melhor. Seremos, após a copa, o país dos estádios fantasmas.
Mas, nossa preocupação, mais do que com os estádios e clubes, é o famoso trem de alta velocidade que ligará as duas maiores e mais importantes capitais brasileiras. Um trem que já se divulgou, custará 34,6 bilhões de reais. Quem já construiu algo, ou simplesmente vive neste país, sabe que se o cálculo inicial é este, ele não custará menos que 69,2 bilhões de reais. Não estamos calculando as comissões, que certamente sabemos que existem, e que servem para ajustar algumas coisas (sic).
Não podemos entender para que vamos construir um trem que andará a velocidades de cerca de 300 quilômetros por ora, para uso de alguns poucos e que, certamente, também será outro fantasma perambulando pelas nossas noites, fazendo delas um pesadelo. Para os que vão usa-lo, já existe a ponte aérea, que cumpre bem o seu objetivo.
Mas, muito pior que isso, é que ele nada mudará no trânsito das nossas duas principais capitais. Tudo continuará o caos de sempre, e piorando. Entram, apenas na cidade de São Paulo, 500 carros por dia. Se considerarmos cada carro com quarto metros, e apenas seis metros de distância entre eles – obviamente precisamos de mais – já temos ai cinco quilômetros de carros a mais por dia na cidade. Note-se que a cidade tem que construir cinco quilômetros de vias públicas diariamente, apenas para que tudo continue igual ao dia anterior. E quanto tempo se leva para construir estes cinco quilômetros? Não é de espantar que a cidade está em vias de paralisação.
Está óbvio, portanto, que melhor do que investir neste trem fantasma, que nos assombrará pelo resto dos nossos dias, até todos termos renda per capita adequada, será investir este capital no trânsito das nossas cidades. Quantos quilômetros de metrôs e vias públicas poderiam ser construídos com este montante? São as cidades que precisam ser cuidadas, e não alguns privilegiados que usarão este trem, e que podem muito bem continuar utilizando o avião.
Achamos que um pouco de bom senso não fará mal a nenhum dos nossos megalomaníacos governantes. E que eles têm que parar de pensar apenas em si, no nome que darão ao elefante branco, ops, trem fantasma, e em cravar seu nome em obras faraônicas. Já basta o que fizemos em toda nossa existência, e o máximo a que nos levou foi a este atual patamar de subdesenvolvimento e inserção absoluta no quarto mundo. Ainda há, obviamente, aqueles que acreditam que pertencemos ao terceiro mundo. Não achamos que seja possível nos equipararmos a países como Taiwan, Singapura, Coréia e outros, que obviamente não fazem parte dos grandes países desenvolvidos, portanto, do primeiro mundo. Assim, fácil perceber que não fazemos parte dele.
Embora, em muitas coisas, nos assemelhemos ao primeiro mundo, e vide nossa capacidade de sequenciamento genético. Será bom se começarmos a aplicar isso em todas as áreas das nossas vidas, para que reentremos no terceiro mundo e, quiçá, algum dia, no primeiro.
Jornal DCI de 20/09/2009