Matriz de transporte – benefícios do uso da ferrovia – revisitado

 

Passados alguns anos da privatização das ferrovias brasileiras, é hora de comentarmos sobre elas. Entenda-se como privatização apenas a sua entrega para operação pela iniciativa privada. Os ativos continuam sendo do Estado, infelizmente, que é a pior parte de um processo de privatização.

Os males desse tipo de entrega, é que a empresa concessionária investe no que não é dela. Isso quer dizer que todos os investimentos, de bilhões de reais, serão do Estado no caso da concessão não ser renovada. É o mesmo que foi feito, infelizmente, com a privatização portuária.

Os problemas, como todos sabem ou podem imaginar, são pelos menos de duas ordens. O primeiro é que todo o investimento deve dar retorno durante o período de concessão. Isso implica um encarecimento das operações ferroviárias, como já ocorre com as portuárias. Caso o ativo fosse dos próprios investidores, não haveria necessidade de amortização tão rápida, barateando os serviços de transporte.

O segundo problema fica por conta dos próprios investimentos e sucateamento do ativo. Com a evidente redução da qualidade das operações. Ninguém irá investir nos últimos anos de uma concessão, sabendo que aquilo não é seu e sempre havendo a possibilidade de retomada pelo poder concedente, o Estado. Nunca devemos nos esquecer em que país estamos e como as coisas funcionam nele. Todos conhecemos a falta de previsibilidade e planejamento do país, bem como os arroubos inadequados dos nossos governantes. Vide a questão portuária e os retrocessos que se procura impor constantemente aos terminais operacionalmente privatizados.

Mas, de qualquer modo, como o empresariado nacional tem vocação para herói, temos visto progressos. Os custos das operações ferroviárias, como ocorreu com as portuárias, foram reduzidos. A produtividade e a produção também cresceram muito. Ambas têm beneficiado o usuário e a economia, bem como o comércio exterior brasileiro.

É preciso que o governo federal, que entregou a ferrovia em situação de completo abandono e sucateamento, entre com recursos a fundo perdido para ajudar as ferrovias, recuperando aquilo que não fez anteriormente.

Todos devem ter plena consciência de que quando se repassa algo para alguém explorar, esse algo deve estar em plenas condições de exploração. Não foi o que ocorreu com as nossas privatizações. O concessionário deveria entrar produzindo, fazer a manutenção e melhorar o ativo para entregá-lo nas mesmas condições. Exatamente como ocorre quando se aluga um imóvel, que deve ser devolvido como se pegou.

Obrigar o concessionário a devolver a empresa completamente reformada e com ativos em perfeita ordem não é justo, ao contrário, é altamente cruel. Só serve para que o Estado ganhe novamente, o que já ocorreu na concessão, e tenha a grande possibilidade de sucatear tudo novamente.

Mas, de qualquer modo, a ferrovia já apresenta resultados e precisamos incentivá-la e aproveitá-la. Os benefícios de maior utilização poderiam ser sentidos imediatamente na economia e no bolso do consumidor.

Sendo a ferrovia um modo de transporte mais barato que a rodovia, as mercadorias podem chegar às prateleiras com custo menor podendo ter, assim, preços menores de venda. Com preços menores, o poder aquisitivo da população dada pela sua renda disponível, subiria sem qualquer aumento salarial, permitindo a compra de mais unidades.

A consequência disso seria direta. Com mais consumo haveria mais compras pelos distribuidores, o que obrigaria o aumento da produção. O resultado seria dado na forma de maiores investimentos no aparelho produtivo e com aumento do emprego, gerando mais renda disponível na economia. Estaria estabelecido o que os economistas chamam de círculo virtuoso da economia.

Outro resultado seria a maior arrecadação de impostos, dando ao Estado a possibilidade de mais investimentos em infraestrutura geral, beneficiando a economia e o cidadão, razão última de qualquer governo e de seus atos. Também poderia provocar uma redução da carga tributária. Assim, poder-se-ia chegar a uma dupla fantástica, o aumento de arrecadação com diminuição da carga tributária.

O país precisa urgentemente voltar-se para a mudança da matriz de transporte, que é uma das formas de reativação da economia. A melhoria da logística interna fará milagres pela nossa economia interna, bem como pela externa, com favorecimento do nosso comércio exterior. A logística é hoje a última fronteira para melhoria de nossos processos e distribuição de mercadorias e precisamos nos enquadrar no que há de melhor no mundo.

O investimento na ferrovia é urgente. Temos menos de 10% da malha ferroviária da terra do Tio Sam e em piores condições. Em 1948 tínhamos mais de 36.000 quilômetros de ferrovia, reduzido a cerca de 29.000 quilômetros atualmente, o mesmo de 1920..

As concessionárias vêm fazendo a sua parte, mas é preciso que o governo também faça a sua, o que é sempre mais difícil, bem como os usuários. É necessário que os usuários descubram e prestigiem a ferrovia, a fim de tornar o país melhor. Até a qualidade de vida seria melhorada com a retirada de boa parte do veículo rodoviário das estradas, reduzindo o investimento em estradas, poluição, petróleo, etc. Felizmente tem ocorrido bastante nos últimos anos, com os investimentos e atenção à ferrovia, como não tem sido há muito. A ferrovia, com isso, deverá começar a ter mais protagonismo nos próximos anos

Não se apregoa a eliminação do transporte rodoviário, o mais versátil de todos, mas apenas a sua utilização mais nobre, fazendo os pequenos trajetos, viabilizando melhor a intermodalidade e a multimodalidade, bem como os trajetos peculiares conforme colocado no item imediatamente anterior a este.

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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