Entrevista escrita na Revista CNT

 

Segue nossa entrevista concedida à revista CNT, com perguntas e respostas escritas:

 

1) Atualmente, a corrente de comércio exterior do Brasil, incluindo exportação e importação, chega a cerca de 20% do PIB nacional? O que isso significa para a economia do país?

Uma tragédia, para dizermos o mínimo.

Isso significa que somos um dos países mais fechados do mundo. Enquanto alguns países têm um comércio exterior maior do que seu próprio PIB – produto interno bruto, temos apenas 20% do nosso. Os países baixos (Netherlands), que muitos insistem em chamar de Holanda – que é apenas uma de suas províncias – tem um comércio exterior de 140%, maior que seu PIB. E há países com nível superior a isso.

Ainda não descobrimos que a melhor forma de desenvolvimento de um país é através do comércio exterior. Em que se aumenta o mercado consumidor de forma extraordinária. Os países que descobrem isso evoluem muito mais rapidamente, e a China, para ficarmos no tempo atual, é a maior prova disso. Em 1979 o Brasil exportava US$ 12,9 bilhões, enquanto a China exportava 9,7 bilhões.

Em 1979 a China descobriu que o capitalismo é a melhor forma econômica que existe, e que o comércio exterior é seu complemento ideal.

Percebeu que um mercado consumidor de cerca de um bilhão de pessoas, que não consumiam quase nada, não poderia levar o país adiante. E que um mundo de mais de cinco bilhões de pessoas poderia consumir muito mais. Hoje a China tem 1,4 bilhão de habitantes, mas seu mercado consumidor é de quase 7 bilhões de pessoas.

Só nos EUA temos 315 milhões de consumidores. A população toda. Não como no Brasil, em que temos uma população de quase 200 milhões de pessoas, mas com, talvez, uns 20-30 milhões de consumidores de fato. Embora o governo insista em dizer, vergonhosamente, que a classe média brasileira é de 54% da sua população. É claro que não podemos considerar seriamente isso, quando alguém, para ser enquadrado na classe média, tem que ter uma renda per capita a partir de meros R$ 291,00 por mês, bem menos da metade do salário mínimo.

Hoje a China que é o país mais capitalista do mundo, ou dos mais, e uma economia de mercado de fato, exporta US$ 1,9 trilhão, enquanto o Brasil exporta 240 bilhões.

2) Quais os reflexos para a sociedade?

O Subdesenvolvimento. Com um país com todas as condições de ser um dos maiores do mundo, não conseguimos sair do terceiro mundo – para usar uma terminologia tradicional. Com renda per capita de meros US$ 12 mil, assim mesmo porque nossa taxa do dólar é controlada e tem um valor muito baixo, o que aumenta o PIB e a renda em dólares norte americanos.

3 Tendo em vista a produção do Brasil, tanto do agronegócio como de produtos industrializados, é possível estimar um índice que deveria corresponder ao comércio exterior atualmente?

Com tudo o que o Brasil apresenta fisicamente, não poderíamos estar com tão baixo percentual. O mínimo aceitável para o país seria de uns 50%, equivalente a China.

Temos uma costa marítima de 7.500 quilômetros. Um subsolo generosíssimo. O maior território agricultável do planeta. Uns 12-20% de toda a água doce do planeta, segundo estimativas de experts no assunto. Uns 10 meses de sol por ano. Etc.

E não temos terremotos, vulcões, furacões, etc. que muitos países têm.

Assim, não há qualquer razão para sermos o que somos, e não o que podemos ser. O que falta é governo. Política econômica adequada. Carga tributária adequada ao nosso desenvolvimento. Juros idem. E, em especial, investimento, que é o que faz uma economia crescer. A nossa é de ínfimos 17% do PIB na média de 1995-2012.

A China investe 40-45%, por isso sua média de crescimento de 1979 a 2012 é de 9,9%.

Enquanto eles investem cerca de 40% e tem carga tributária de 17%, nós investimos 17% e temos carga tributária de quase 40%. Facílimo explicar porque nosso crescimento médio é de 2,5% entre 1981-2012.

3) Quais os principais entraves que precisam ser atacados mais urgentemente em relação a transporte no Brasil?

A matriz de transporte, que é a pior do mundo. Em que fomos classificados pelo Fórum Econômico Mundial em 2011 na 104ª posição. Sendo 91ª em ferrovia, 110ª em rodovia, 122ª em aerovia e 130ª em portos. Isso em 142 países analisados.

Considerando que acreditamos que no mundo não há mais do que uns 60-70 países que realmente contam de fato, que podem fazer parte dos países com melhor futuro, vê-se que estamos muito além do último.

Em que 60% da carga é transportada por via rodoviária. Apenas 26% dela anda na ferrovia. E 14% apenas sobre as águas. Sendo que neste temos uns 11-12% pelo mar, na cabotagem, e uns 2-3% em nossos rios.

Em que se sabe que o Brasil produz soja mais barato que os EUA, mas a coloca no navio mais caro. Enquanto 70% da nossa soja chega aos portos pela rodovia, Tio Sam a faz chegar em 61% via hidroviária.

E pior que isso é que, sendo um país rodoviarista, não cuidamos das estradas e nem as temos. A nossa malha rodoviária é de cerca de 1,5 milhão de quilômetros, com apenas 11% asfaltada. Os EUA que não são rodoviaristas, em que sua carga rodoviária é de apenas 32%, têm 6,4 milhões de quilômetros de estradas, sendo 64% asfaltadas.

Nossa ferrovia é a pior do mundo, apenas 29.000 quilômetros, equivalente a de 1920. O que significa 3,4 quilômetros de ferrovia para cada mil quilômetros quadrados de território. A Argentina tem 12, a França 60, a Inglaterra 70, a Alemanha 130.

4) As principais medidas estão contempladas nas obras propostas pelo poder público?

Entendemos que não. Enquanto o país gasta 0,4% do PIB em infraestrutura, a China e a Rússia gastam 5% e a Índia 4%. E, com os novos planos do governo, com os valores anunciados em 2012 para os portos, e posteriormente para as rodovias e ferrovias, este percentual diminuiu, enquanto todos estão acreditando que ele aumentou. Ninguém fez as contas.

5) O que precisaria ser feito de imediato para melhorar a logística de transporte?

Entender que o país precisa investir em infraestrutura o mais rápido possível. Parar de falar, o que se faz há anos, e partir para a ação. As estradas, portos, aeroportos, ferrovias, não crescerão e melhorarão sozinhas, apenas porque o governo fala nelas todos os dias. Elas só crescerão com a ação humana. O que há a fazer todos os dias é agir, investir, pensar num grande país, que é o que falta de fato.

Seriedade é o que mais falta ao que costumamos chamar de grande acampamento. Que algum dia, com atos e fatos, poderá vir a ser um país, uma nação.

6) Em relação aos portos, por exemplo, qual a sua opinião sobre o que é mais necessário nos próximos anos?

O governo deve parar de mudar as normas constantemente. A economia precisa de estabilidade. Os entes econômicos precisam saber o que vai ocorrer nos próximos 5-10 anos. Há muitos anos ninguém sabe o que vai ocorrer no país nos próximos 3 meses. A economia é uma ciência de longo prazo. Nada acontece em meses, mas em anos.

Entendemos que o governo precisa sinalizar o futuro distante. E, mais que isso, deixar de intervir, permitir à iniciativa privada o investimento, a criação de seus portos, terminais, etc. Construir um porto tem que ser como abrir uma loja, um posto de gasolina, etc. Tem que ser livre. Há que se tornar de fato capitalista. Ao governo compete os marcos regulatórios, que a iniciativa privada tem que seguir. Mas, com seriedade para ambos os lados, o que tem faltado a este grande acampamento.

7) A capacidade de produção do Brasil e a capacidade de entrega para o mercado externo no prazo estabelecido representam um problema?

Um imenso problema. Dentre os países que contam, estamos fora dos parâmetros. E vide que apenas nas últimas semanas, tivemos 2 cancelamentos chineses de pedidos de milhões de toneladas de soja por descumprimento de contrato, por falta de entrega. E este é um problema de todos os setores, não apenas na soja ou no agronegócio.

8) Qual a opinião do senhor em relação à crise na economia internacional e os reflexos às diferentes áreas do transporte do Brasil?

Já colocamos em diversos artigos, em colunas que temos em jornais e revistas, que o problema do Brasil não é a economia internacional. O problema do Brasil se chama apenas Brasil. É só estudar a nossa economia nos últimos 5 anos, e nos últimos 32 anos, e verificarmos que temos crescido menos que a economia mundial, e muitos de nossos parceiros ou equivalentes. Temos de tudo para crescer e não depender da economia internacional como dependemos. Nosso mercado consumidor, em existindo, pode compensar em muito os problemas internacionais. Citando novamente a China, o que é inevitável, vide que em 2006 seu comércio exterior era de 67% do mundial. Hoje é de 50%. Chegada a crise, olharam para o mercado interno e continuam crescendo a um mínimo de 8% ao ano. Não muito distante dos 9,9% dos últimos 34 anos.

9) Há algum setor que preocupa mais?

Infelizmente não. Isso seria ótimo, pois poderíamos nos concentrar nele. Todos preocupam, como vimos. E quando os problemas são dessa magnitude, fica muito difícil atacá-los. Em especial quando não se tem vontade política para fazer o que tem que ser feito.

10) O senhor já escreveu livros em diferentes áreas do transporte. Na sua opinião, onde está o principal gargalo? (se preferir diferenciar por áreas)

Se temos que escolher um gargalo principal, o que é difícil, entendemos que temos que escolher os acessos aos portos. Não temos vias suficientes, e as que temos não têm as condições adequadas para fazer a carga chegar aos portos. E Santos e Paranaguá são exemplos suficientes para isso. Não os únicos, mas bem representativos.

11) Como o senhor avalia a forma como rodovias e ferrovias são tratadas no Brasil? Falta um trabalho para que elas sejam vistas como complementares?

Sem dúvida rodovia e ferrovia são muito maltratadas. E nunca foram vistas como complementares, mas sim concorrentes. Temos entrevista e artigo, este já publicado em diversas ocasiões, mostrando que eles são complementares, e cujo título é “Rodovia x ferrovia ou rodovia + ferrovia?” em que mostramos que rodovia mais ferrovia é o ideal.

12) Qual é o preço que o Brasil paga pela ineficiência do transporte?

O que todos conhecemos, sendo uma das principais pernas do custo Brasil. E, a esta altura, no ponto que chegamos, situação muito difícil de reverter.

Revista CNT

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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