Carga pelas rodovias. Reduzir é a dupla solução
Ficamos pensando, nos últimos dias, na situação do transporte rodoviário de cargas no Brasil, ao sabermos que a atividade enfrenta uma situação delicada na oferta de caminhoneiros, segundo o Senatran. A perda declarada é de cerca de 1,1 milhão de profissionais do volante entre os anos de 2013 e 2023. Como esse modo é responsável por cerca de 61% do transporte de cargas no Brasil, a dificuldade para preencher vagas torna a situação delicada.
Mas, de acordo com o que pensamos, escrevemos e ensinamos em nossas aulas há décadas, deveríamos parar de nos preocupar tanto com a falta de mão de obra no setor, e nos preocuparmos mais com o desenvolvimento. O que queremos dizer com isso? E por que estamos indo em direção contrária às preocupações do Senatran?
Todos sabemos que o Brasil tem o que chamamos sempre de matriz de transporte terrorosa (mistura de terror + horrorosa). E uma infraestrutura deplorável. Em que a execução do transporte e da logística torna-se um gargalo no Brasil e não é possível fazê-los adequadamente. De modo que, segundo o ILOS – Instituto de Logística e Supply Chain, o custo logístico brasileiro em 2023 situou-se em 18,4% do PIB – produto interno bruto. É impossível conviver com dado assim, na estratosfera, quando EUA e Europa, segundo se sabe, tem a sua logística consumindo cerca de 8% do PIB. Assim, é impossível competir.
Ainda mais sabendo que somos uma ilha, e que 95% do comércio exterior brasileiro, em tonelagem, é feito pela via marítima. Por sermos uma grande ilha, o navio é quase monopolista nas nossas exportações e importações. E agravado pela falta de uma marinha mercante internacional, em que tudo é transportado por armadores estrangeiros. O custo em fretes e afretamentos é enorme, de vários bilhões de dólares ao ano.
Estranhamente, sem rodovias e sem pavimentação, portanto, sem condições, somos um país rodoviarista. Em que cerca de 61% da carga brasileira transita pelas estradas. Temos apenas cerca de 1,6 milhão de quilômetros de estrada, representando apenas 25% da dos EUA e 50% da China. Em que apenas 12% são pavimentadas, contra mais de 70% dos EUA e mais de 80% da China. Não podemos ter o transporte rodoviário como nosso principal modo de transporte com essas péssimas condições.
Como o transporte por rodovias é o mais caro entre todos os modos de transporte que temos, como já colocamos em artigo e ensinamos e mostramos constantemente aos nossos alunos, nosso logística só pode ser cara.
Não que o transporte rodoviário seja ruim. Muito pelo contrário. Temos a exata convicção de que ele é o melhor modo de transporte que temos. É o único que pode fazer tudo sozinho. Todos os demais modos, com diminuta exceção, dependem do transporte rodoviário. É o único que pode pegar a carga na origem e entregar no destino por si próprio, sem depender de ninguém. Assim, ele teria que ser designado para aquilo que, em livro, artigos e curso de logística chamamos de atuação nobre. Que é servir todos os demais modos, utilizando a intermodalidade e a multimodalidade. E, fazendo pequenos trajetos de distribuição de cargas e aqueles trajetos peculiares, impossíveis de serem feitos pelos demais modos. Ou seja, ficar em standby e entrar quando necessário.
Assim, a solução não é o convencimento e a formação de mais motoristas, ou se pagar bem melhor para que entrem na profissão.
A solução é aproveitar a ocasião da falta de motoristas, péssimas matriz de transporte e infraestrutura, custo logístico altíssimo para mudar tudo. Mas mudar como? Com os rodoviaristas passando a entender que os demais modos, como a cabotagem, a ferrovia e o fluvial, que são modos de transporte para médias e longas distâncias, não são concorrentes, mas, complementares. Compreendido isso, que parece ainda não ter sido, os rodoviaristas deveriam se unir a eles e praticar uma verdadeira logística, uma parceria para o bem comum e do Brasil.
Como os trajetos mais curtos têm frete maior, os rodoviaristas deveriam se aproveitar disso, que chamamos de “efeito taxi”, para ganhar mais dinheiro com o rodoviário. O taxi ganha mais dinheiro em trajetos curtos que longos, em face da bandeirada, que se paga sem rodar. É melhor ele fazer 20 corridas de 10 quilômetros por dia, do que uma corrida de 200 quilômetros. Assim, ao invés de cruzarem o país com carga, de norte sul, de leste a oeste, etc., deveriam se concentrar em pequenos trajetos. Levando a carga aos portos marítimos, portos fluviais e terminais ferroviários para transporte por estes outros modos para as médias e longas distâncias. Devem entender que o veículo rodoviário é para pequenas distâncias e para servir os demais modos.
Assim, unindo-se aos outros demais modos, ao invés de concorrer com eles, e cada um fazendo a sua parte, todos ganham. O rodoviário com pequenos trajetos e como garçom, servindo aos demais. Os demais fazendo os trajetos maiores. Em que a união faz a força.
Assim, teríamos realmente uma logística de fato, e não apenas transporte. O custo geral de entrega de mercadoria seria reduzido, com os donos das cargas ganhando com isso. Os demais modos ganhariam, pois teriam mais carga. O rodoviário ganharia cobrando frete maior para percurso menor. Toda a cadeia logística ganharia e, claro, o país.
Imagine você, rodoviarista, mudando sua forma de transporte de uma mercadoria, com seu veículo, do sul ou sudeste para Manaus, por exemplo. Ao invés de cruzar o país, em estradas ruins, dias e dias de transporte com o motorista fora de casa, com risco de ser morto e/ou tendo a carga roubada, que no Brasil tem dado prejuízo de cerca de R$ 1,2 bilhão de reais ao ano, se unisse aos demais modos.
Pegaria a carga de seu cliente e prometeria entregar em Manaus. Mas, pegaria a carga, levaria a um porto, contrataria o transporte com um transportador marítimo, depois novamente um transporte rodovário. Você faria toda a cadeia, com custos menores, ganharia mais com frete em pequenos trajetos, ganharia na prestação de um serviço completo, com frota menor e mais enxuta, e com menos despesas. E, claro, com a fidelização de seu cliente, que teria ganhos com essa logística. Uma logística trivial, mas, logística e não simples transporte. E ir sofisticando, como um verdadeiro operador logístico e não apenas um transportador.
Com isso, toda a cadeia ganharia. O dono da carga com custo logístico menor. Os demais modos com trabalho que não tinham, O rodoviarista com seus ganhos como colocado acima.
No transporte interno, teríamos um ganho geral no frete, e os preços das mercadorias chegariam aos pontos de venda mais baratos. Com isso, a população teria seu poder aquisitivo aumentado, pois compraria mais com os mesmos recursos. Com venda maior, teríamos produção maior, mais emprego, mais consumidores, maior arrecadação de impostos, podendo reduzir o percentual da carga tributária sobre pessoas e empresas.
E, com o aumento da renda disponível, que normalmente é dividido em duas partes, uma para consumo e outra para poupança, teríamos um aumento da poupança nacional, com disponibilidade maior para investimento. Investimento esse que, nos últimos 30 anos tem média de ínfimos cerca de 18-20% ao ano, impossível para crescimento efetivo e sustentável.
Agora imagine isso também no comércio exterior. Em que somos uma ilha, com quase tudo entrando e saindo pela via marítima. Estamos longe dos grandes mercados consumidores, que hoje estão em sua maioria na Ásia e Europa. Compare o nosso custo logístico de colocar uma mercadoria na Ásia ou Europa, com os custos logísticos dos europeus vendendo aos asiáticos, e dos asiáticos vendendo aos europeus, um ao lado do outro. Dos africanos vendendo à Europa e à Ásia, que estão muito mais perto do que nós.
Precisamos de mais inteligência logística. De mais parceria dos rodoviaristas com os demais modos de transporte, onde todos ganharão.
Assim, teríamos uma dupla solução para nossos problemas. Redução do transporte rodoviário e menor necessidade de caminhoneiros, e mais logística com favorecimentos dos demais modos de transporte.
Para melhor entendimento dessa lógica de complementariedade, segue link de nosso artigo “Rodovia x ferrovia ou rodovia + ferrovia” publicado em 20/05/2005 nas revistas “O Container”, “Sem Fronteiras” e outras cinco publicações, em que mostramos há mais de 20 anos, que eles não são concorrentes, mas, complementares.
Aduaneiras: https://www.aduaneiras.com.br/Materias?guid=45887ec7fd614596e0637f0110ac1ff4