Comércio exterior e transporte aéreo sem papel

 

Temos ouvido, com certa frequência, nos últimos anos, o desejo de todos sobre a realização do comércio exterior sem papel. Um ato de extrema inteligência, mas que avança devagar no país. É bem verdade que também no mundo. Mas, entendemos que o mundo não deve importar muito. Principalmente para o Brasil, que é um país que não segue praticamente nada que ocorre fora de suas fronteiras. Em que a reinvenção da roda é uma obsessão brasileira, conforme já mostramos em muitos dos nossos artigos.

O que já vimos é muito pouco em relação ao que pode ser feito. Já há décadas a CCI – Câmara de Comércio Internacional, situada em Paris, a mais importante instituição para o comércio exterior, tem em suas publicações que mais interessam à área essa condição. Isso é previsto naquele que consideramos o mais importante instrumento mundial para a área, que é o Incoterms – International Commercial Terms (Termos de Comércio Internacional).

E também na sua importante publicação relativa a pagamentos e documentos internacionais, a UCP – Uniform Customs and Practice for Documentary Credits (Regras Uniformes para Créditos Documentários). Cuja edição atual é a UCP 600, de 2007. Que tem, inclusive, como anexo, a eUPC, a sua versão eletrônica. Mas apesar disso, nunca vimos a sua utilização em todo o tempo em que militamos na área.

Precisamos entrar na modernidade do sistema eletrônico. Em especial que, com orgulho sempre se disse, que nosso sistema bancário é o melhor ou está entre os melhores e mais avançados do mundo. Aqui tudo é eletrônico. Então porque o comércio exterior continua tão arcaico, utilizando papel?

Tudo bem que sabemos que a RFB – Receita Federal do Brasil tem boa parcela de culpa nisso. Aqui é muito complicado se avançar nessa linha da modernidade do documento eletrônico. Em que até uma fatura comercial, que a UCP 600 diz que não precisa ter assinatura, tem que ser assinada, caso contrário, não será aceita. A UCP prevê, inclusive, que a assinatura dos documentos de comércio exterior pode ser feita por assinatura manual, fac símile, por perfuração, carimbos, símbolos ou qualquer outra forma de autenticação eletrônica ou mecânica.

No Brasil, nem podemos pensar nisso. O simples pensamento pode lhe arrumar problemas sérios com nossa instituição que controla nosso comércio exterior, que, às vezes, é arcaica demais. O que é, no mínimo, uma incoerência. Todos os seus controles hoje são eletrônicos. Até o famigerado e absolutamente desnecessário Siscoserv, cujas informações são muitas vezes duplicadas e já existem em outros sistemas. E que só seria necessário colocá-los para “conversar” entre si. E que, em nossa opinião, só existe para controlar em demasia e cumprir o desejo frequente de atormentar e, quiçá, multar as empresas que realizam comércio exterior.

O Siscoserv é mais uma política para dificultar o comércio exterior brasileiro, que já pouco representa nas transações mundiais, não passando de 1,1% dos quase 38 trilhões de dólares norte-americanos que o mundo movimenta na exportação e importação. E que não representa mais de 20% do nosso PIB – Produto Interno Bruto, enquanto o montante mundial representa quase 50% do seu PIB de mais de 77 trilhões de dólares norte-americanos.

Assim, dentre muita coisa que precisa mudar em nosso comércio exterior, a burocracia está em primeiro lugar. Precisamos adotar mais que imediatamente o documento eletrônico. Que a RFB, pródiga em tornar todas as dificuldades em eletrônicas, tem plenas condições de tornar também as facilidades em eletrônicas. Só começar a achar que nem todo mundo é desonesto no comércio exterior.

Temos visto, em nossa particular opinião, que a IATA –International Air Transport Association está envidando seus maiores e melhores esforços para a adoção do e-AWB, que parece estar avançando bem. Ele é o contrato de transporte entre o agente de cargas e a empresa aérea, e entre estes e os embarcadores. Há que se incentivar seu uso, adotando os mais diversos meios, como a demonstração da sua utilidade e praticidade, através de palestras, peças publicitárias, etc. Quiçá, por que não, a simples imposição. Isso é feito amiúde pela RFB com sua transformação em tudo para meios eletrônicos. E o comércio exterior nunca parou por causa disso, nem foi dificultado, a não ser, claro, como ocorre em tudo, na implantação de qualquer sistema. Aqui excluímos, por obviedade, o Siscoserv já citado.

Também o e-Freight está avançando. Com ele a IATA espera eliminar toda a papelada envolvida no comércio exterior realizado pela via aérea, tornando todo o processo, de ponta a ponta, em eletrônico. Duas ações absolutamente louváveis, dignas de incentivo e adoção.

Só o que nos incomoda é o nome e-Freight, que não entendemos. Para nós, freight é frete, cotação de frete, e não documento. Assim, entendemos que o nome adequado é e-Document, que significa um documento eletrônico. Não queremos dizer que está errado, e nem pedir a mudança, apenas registrar que nos incomoda e não o consideramos conveniente para nosso gosto.

Revista Sem Fronteiras Virtual

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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