Conhecimentos de embarque e endosso

 

Durante muitos anos, desde que escrevemos e ministramos aulas, falamos e ensinamos sobre endosso de conhecimentos de embarque. Quando imaginamos que o assunto se tornou pacífico, que todo mundo o conhece, nos deparamos com a nossa famosa “lojinha de 1,99”. Aquela em que dizemos, escrevemos e provamos em instantes, que apenas um reduzido grupo de 1% dos profissionais sabe o que faz. Enquanto o grupo de 99% apenas faz. E vai tudo bem até o primeiro problema. Nesse momento, o primeiro grupo segue em frente, enquanto o grupo dois para. Ou, pior, muitos vão em frente, cometendo atrocidades.

No comércio exterior os conhecimentos de embarque aéreo e marítimo estão nessa categoria. Do quase desconhecimento quanto à existência e endosso. No transporte marítimo, por exemplo, o conhecimento geral é da existência do popular bill of lading, ou nosso, simplesmente, B/L. O seaway bill é quase um completo desconhecido. Pouquíssimos já ouviram falar nele.

Falta um mínimo de leitura, ou vontade de aprender, a nossos profissionais, o que é um problema sério para nós. Embora saibamos que, no Brasil, isso não é exclusividade da nossa área, mas quase uma instituição nacional. Aliás, também, como já fartamente descrito por nós. O que nos obriga, a cada aula, dedicarmos alguns minutos para ensinar sobre administração de tempo, para tentarmos melhorar nossa atividade. Arrumando a nossos alunos entre quatro a sete horas por dia para ler, ver e ouvir. Tempo extra, sem tirarmos nada do que fazem normalmente. Mas, ler o que interessa. De tudo, porém, basicamente, comércio exterior, economia e política, sendo estas duas últimas aquelas que regem o mundo. E um pouco de tudo o mais, para melhorar suas condições gerais.

Quanto ao conhecimento marítimo, há possibilidade dele ser endossado. E não um documento que sempre pode ser endossado como se imagina amiúde. Como já dito, existem dois tipos de conhecimentos marítimos. O bill of lading, com suas variações de Intermodal, multimodal e charter party, tecnicamente o mesmo, apenas para usos diferentes. O outro é o menos conhecido, e pouco usado, sea waybill.

Em relação ao B/L, qualquer um dos três tipos pode ser endossado ou não, dependendo de como foi emitido quanto à consignação. Se ele estiver emitido “a ordem” (to order) poderá ser endossado. Assim, se emitido “a ordem” ou “a ordem do embarcador” deverá, obrigatoriamente, ser endossado por este. Se “a ordem de alguém” no país ou no exterior, ou “a ordem de um banco”, o endosso, se ocorrer, deverá ser feito pelo consignatário.

Portanto, sendo um B/L e estando emitido “à ordem” ele poderá ser endossado sem problema, e em geral o é. Com respaldo do artigo 587 da Lei 556 de 25/06/1850. Isso mesmo, uma norma imperial. É o Código Comercial Brasileiro, ainda em vigor. Assim, um B/L “consignado a alguém”, diretamente, sem ser “à ordem”, não pode ser endossado. E ai é que costuma estar o problema. Há quem o endosse, e há quem o aceite, inclusive a RFB – Receita Federal do Brasil. Isso não poderia ocorrer em hipótese alguma.

Dissemos que o consignatário é quem deve endossar o Bill of lading, quando for permitido. Mas, obviamente, como é fartamente sabido, não precisa ser necessariamente pela própria “pessoa”. Existe o instituto da procuração, dando poder a outrém, que pode ser usado para tudo. Tanto particular quanto passada em cartório, sempre dependendo das exigências legais ou particulares para tal. Assim, quem tiver procuração desta “pessoa”, especificamente para tal ato, seja o que for, poderá agir em seu nome. Isso ocorre o tempo todo com qualquer coisa. Obviamente, pode ocorrer com endosso do B/L.

O sea waybill, o outro conhecimento de transporte marítimo citado, deve ser emitido, sempre, diretamente a alguém, e nunca “à ordem”. Isso por que ele é um documento criado “não negociável” (not negotiable). Assim, ele não permite seu endosso, o que significaria torná-lo negociável, o que ele não é. Mas, na nossa “lojinha de 1,99”, há quem o endosse, indevidamente.

Quanto ao conhecimento de transporte aéreo, o awb – airway bill, ou seus derivados em caso de consolidação de carga, o hawb – house airway bill (conhecimento filhote) ou o mawb – master airway bill (conhecimento mãe) é diferente. Este é um documento que não pode ser endossado. E uma das razões é sua própria criação, externada em seu próprio formulário. A outra, as instruções da IATA – International Air Transport Associaton (Associação de Transporte Internacional).

Em primeiro lugar temos o formulário que, no alto, mais ou menos no meio, podendo ser levemente à direita, no box do nome da empresa, está escrito, claramente, “not negotiable”. Isso significa que o documento foi criado não negociável. Assim, se ele próprio está designado dessa forma, não há como negociá-lo. O que significa que não pode ser endossado. É contra sua própria natureza. O consignatário tem que fazer a DI – Declaração de importação e retirar a mercadoria.

A segunda razão, que inviabiliza o endosso, é que o documento não pode ser emitido “à ordem”. Ele tem que ser emitido consignado “a alguém”. No TACT Manual – The Air Cargo Manual, temos os itens “terms – consignee”, e o “shipper’s documentation”. O primeiro item reza “the person whose name appears on the awb as the party to whom the goods are to be delivered by the carrier” (a pessoa cujo nome aparece no awb como a parte a quem a mercadoria deve ser entregue pelo transportador). O seguindo item reza “show consignee’s full name, street, address, city and country” (mostrar nome completo, domicílio, cidade e país do consignatário).

Assim, não é possível endossar o AWB. Quando endossado, o é de forma equivocada. O pior é que muitos fiscais o aceitam.

Revista Virtual Sem Fronteiras

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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