Crise atual: repetição cíclica das crises de 30 e 70 – por Ricardo Bergamini

 

Ricardo Bergamini em 13/04/2023

As finanças internacionais são um jogo com dois grupos de jogadores – os políticos e burocratas nos governos nacionais e os presidentes e tesoureiros das firmas gigantescas, grandes, médias e pequenas. Os funcionários do governo desejam vencer eleições e garantir um lugar seguro na história dos seus países. Os presidentes e tesoureiros das sociedades anônimas querem auferir lucros – ou pelo menos evitar perdas –.

As oportunidades de lucro ocorrem porque as políticas monetárias e fiscais nacionais são inconsistentes entre si e, assim, obrigam a uma mudança nos valores da moeda nacional. Mas as autoridades nos diferentes países, normalmente, discordam quanto a qual país tomará a iniciativa em mudar o preço da moeda nacional, de modo que a mudança necessária, frequentemente, se atrasa muito. As fortunas comerciais são feitas com base na capacidade de prever tais mudanças nos valores das moedas nacionais, ao passo que os políticos se desgastam com o resultado dessas mudanças.

A exportação de problemas nacionais, nos países desenvolvidos, é uma forma clássica de comportamento internacional. Votos estrangeiros não contam em eleições nacionais. Os custos políticos de providências internas que poderiam resolver um problema de desemprego, um problema de inflação ou um problema de indústria deprimido, normalmente, são mais altos que os custos políticos da exportação do problema. Assim o resto do mundo subdesenvolvido se transforma em escoadouro de problemas internos dos países desenvolvidos.

A política monetária internacional é descentralizada. Cada um dos mais de cem produtores nacionais de moeda tem seus próprios interesses e objetivos. Cada banco central quer controlar a taxa de crescimento, do seu meio circulante, as políticas dos países diferem, o mesmo acontece com suas taxas preferidas de crescimento monetário.

As firmas e os indivíduos disputam seu próprio jogo contra o pano de fundo dos valores em modificação das moedas nacionais. Tomam empréstimos em moedas cujo preço esperam que caia e fazem empréstimo em moedas que esperam que subam. Alguns administradores argutos de sociedades anônimas ganharam milhões de dólares – marcos alemães e francos suíços – para suas empresas em fins dos anos 60 e começos dos anos 70 antecipando, corretamente, as mudanças nas taxas de câmbio.

Os governos, frequentemente, precisam de um acordo internacional para rever instituições estabelecidas e renegociações desses acordos demoram anos e, hoje em dia, graças à comunicação instantânea e de baixo custo, os mercados nacionais de moedas, títulos, depósitos e ações denominados em várias moedas aproximam-se muito de serem partes de um mercado internacional. Em qualquer momento determinado, o preço das ações da IBM em Amsterdã e o preço das mesmas ações em Londres – e em centros estrangeiros onde elas são negociadas – só diferem em centavos do preço de Nova York. Os corretores de bolsas especializados compram essas ações onde elas são baratas e as vendem onde são caras, para lucrar com a diferença de preços e, assim, manter os preços. A tecnologia da moeda é internacional.

Antes da Primeira Guerra Mundial o sistema era descrito como “padrão ouro”. Então, uma mudança de conceito levou a uma mudança no nome e “padrão câmbio ouro” tornou-se o termo aplicável para a situação entre as duas partes, pelo menos de 1946 a 1971, ele ficou conhecido como o Sistema de Bretton Woods. Essas mudanças em terminologia eram mais que mudanças na aparência, pois a relação sistêmica entre os componentes principais e os mecanismos para determinar as taxas de câmbio e fornecer o dinheiro para usar em pagamentos entre bancos centrais em diferentes países – também foi reformulado.

Normalmente, as mudanças no sistema têm sido precipitadas em uma crise sobre os valores relativos das diferentes moedas nacionais. Isso ocorre quando os arranjos estabelecidos para financiar desequilíbrios de pagamento entram em colapso. Assim, a mudança para o padrão de “câmbio ouro” refletiu uma provável escassez de ouro sob o padrão ouro. O padrão ouro fracassou na Grande Depressão dos anos 30 devido a mudanças por demais frequentes e desnecessárias nas taxas de câmbio. E o Sistema de Bretton Woods fracassou em 1971 porque foi incapaz de enfrentar os grandes desequilíbrios de balanços de pagamentos gerados pela inflação americana. O padrão atual é de crise, colapso e inovação. Não podemos esquecer que as transações internacionais têm um elemento comum que as torna singular, diferentes das transações internas – um dos participantes tem de negociar numa moeda estrangeira, e mercado de moeda estrangeiro é um mercado de moedas nacionais; o preço é a taxa de câmbio.

Os bancos centrais precisam de uma moeda internacional. Então, dada essa necessidade, cada banco central tem de decidir qual ativo tem as combinações de atributos mais atraentes na forma de renda de juro, futuro poder aquisitivo, custos de transação e custos de armazenagem. Até 1970, os estoques de ouro eram o maior componente de moeda internacional. Então, o aumento nos estoques externos de dólares americanos deslocou o ouro para segundo lugar, tendo dobrado essa relação apenas no período de 1970 a 1971. E a terceira forma de moeda internacional é o DES (direito especial de saques) do FMI.

Durante muito tempo, pareceu que os ativos em dólares americanos tinham mais probabilidades de continuar aceitáveis e manter valor do que os ativos denominados em outras moedas correntes. Dólares podem ser usados para comprar bens e valores mobiliários americanos. Os Estados Unidos têm uma economia grande e produtiva, militarmente seguros e politicamente estáveis. E o dólar tem um recorde de tempo em manter seu poder aquisitivo. Paradoxalmente, à medida que os estoques de ativos em dólares aumentavam, os países tornavam-se mais relutantes em adquirir mais ativos em dólares, em parte porque a capacidade do Tesouro dos Estados Unidos de converter todos esses ativos em ouro estava ficando cada vez mais duvidosa. O aumento em estoques estrangeiros de dólares em 1971, atribuível à especulação sobre uma desvalorização já por demais atrasada, significou que muitos bancos centrais estrangeiros adquiriram mais ativos em dólares do desejado.

Assim, reapareceu a escassez de moeda internacional, pois os bancos relutavam em adquirir mais ativos em dólares. E, em dezembro de 1971 os Ministros da Fazenda dos maiores países industrializados do mundo livre reuniram-se na Instituição Smithsoniana em Washington DC, concordando no realinhamento de suas taxas de câmbio. O Presidente Nixon chamou o Acordo Smithsoniani de “O Maior Acordo Monetário da História”. Com esse acordo os Estados Unidos poderiam fornecer dólares para satisfazer as procuras de moeda internacional de outros países; havia uma oferta virtualmente inesgotável de Letra do Tesouro dos Estados Unidos e depósitos em bancos. Mas a capacidade dos Estados Unidos em fornecer ouro aos bancos centrais estrangeiros era limitada. O dilema americano era de que o país seria incapaz de distinguir, no planejamento de sua política de balanço de pagamentos, entre os países estrangeiros que satisfariam sua procura de moeda internacional aumentando seus estoques de ativos em dólares, e outros países que queriam aumentar seus estoques de ouro.

Por volta de 1965, o Governo americano começou a reconhecer que seu déficit no balanço de pagamentos poderia ser mais bem explicado em termos da procura externa de moeda internacional do que a supervalorização do dólar. Ele passou a compreender que novos arranjos institucionais tinham de ser criados e que satisfizessem a procura externa de moeda internacional sem forçar os Estados Unidos a incorrer em déficit. Finalmente, o ponto de vista americano prevaleceu, e se assinou um tratado internacional que providenciava a produção de nova moeda internacional, conhecida como Direitos Especiais de Saques (DES) dentro da estrutura do FMI. Mas os acontecimentos monetários à Guerra do Vietnã intervieram, de modo que os DES tornaram-se irrelevantes antes mesmo que se tornassem operacionais.

A partir de 1969 até o fim de 1971, a questão subjacente era se os Estados Unidos tomariam a iniciativa de reduzir seu déficit ou, se países europeus e o Japão tomariam a iniciativa de reduzir seus superávits. A Alemanha revalorizou o marco em setembro de 1969. O Canadá retornou a uma taxa flutuante em abril de 1970. Pelo final de 1970 e começos de 1971, a pressão especulativa contra o dólar começou a aumentar à medida que se tornava cada vez mais provável que as moedas européias e o iene japonês aumentassem de preço em termos do dólar. O que não estava claro era quando a mudança ocorreria e que países tomariam a iniciativa.

Em maio de 1971, a pressão especulativa contra os Estados Unidos aumentou ainda mais; a Alemanha e a Holanda seguiram o exemplo canadense, e passaram para uma taxa flutuante, enquanto a Suíça e a Áustria revalorizaram suas moedas em cerca de 5%. Mas os especuladores não se acalmaram e, a pressão contra o dólar aumentou ainda mais. Passados 3 meses, a especulação desviou bilhões e bilhões de dólares para ienes, marcos, francos suíços, libras, etc.

A crise tornou-se crítica no começo de agosto de 1971, assim sendo em 15 de agosto o Presidente Nixon anunciou que, como parte da sua Nova Política, o Tesouro suspenderia as vendas e compras de ouro. Como o Tesouro dos Estados Unidos não tinha certeza que outros países revalorizariam suas moedas, o governo impôs uma sobretaxa de 10% às importações. E as autoridades monetárias americanas deixaram claro que a sobretaxa permaneceria em vigor até que a estrutura das taxas cambiais fossem realinhadas, e as barreiras discriminatórias contra as exportações americanas fossem reduzidas, bem como exigindo da Europa e do Japão iniciar negociações para estudar um novo sistema internacional. Os europeus e japoneses pararam de fixar suas moedas em termos do dólar e elas começaram a subir de preço em termos do dólar. As autoridades americanas estavam satisfeitas com o sistema de taxa flutuante; à pressão para retornar aos sistemas de taxas administrada – e eliminar a sobretaxa tarifária dos Estados Unidos – partiu do exterior.

A suspensão das vendas de ouro americano era inevitável; a sobretaxa de 10% não era. Esta foi cobrada num período em que a maioria dos países estava numa recessão – e, como aconteceu nos anos 30, esses países consideram atraente importar empregos aumentando suas exportações de bens. Mas eles só poderiam fazer isso mantendo uma moeda desvalorizada. Em seu primeiro teste, em vinte anos, para impedir políticas de “empobrece teu vizinho”, o Sistema de Bretton Woods falhou, como podemos observar com as crises nos mercados cambiais, é que elas ocorrem pelo desejo de muitos países de adotar políticas monetárias independentes, bem como pelas regras do FMI para regulamentar as taxas de cambio serem arcaicas.

As mudanças nos sistemas institucionais ocorrem lentamente, sobretudo quando o número de participantes é grande e seus interesses são diversos. As mudanças no sistema cambial são inevitáveis, pois o sistema existente é obsoleto num mundo de políticas monetárias nacionais independentes. Número cada vez maior de especuladores é sagaz em obter lucros de revalorização. Os sistemas existentes também estão mal equilibrados; os banqueiros centrais continuam jogando de acordo com regras que vão contra os interesses dos seus proprietários, a mudança é inevitável – a única incerteza é quando ela ocorrerá.

Para o aprendizado de Política Monetária Internacional devemos entender o que seja Moeda: A indústria de dinheiro é como a indústria de refrigerantes ou de qualquer indústria. Na indústria do dinheiro, tal como na dos refrigerantes, ocorre superprodução. Nesta última, qualquer firma que aumente sua produção com muita rapidez talvez tenha que reduzir seus preços para não ver suas latas e garrafas encalhadas nas prateleiras dos supermercados. No caso do dinheiro, a superprodução leva aos aumentos nos preços, pois os bancos centrais podem produzir o dinheiro, mas não podem obrigar os agentes econômicos a guardá-lo. Assim, quando se produz dinheiro demais, as pessoas podem passar da moeda nacional para os bens – ou para outras marcas de dinheiro.

O Contraste entre o número de marcas de fábricas de dinheiro- mais de cem – e de fábricas de produtos (automóveis, aviões a jato, etc.) é enorme. Enquanto todos os países, excetuando-se alguns pequenos, têm sua marca de moeda, a maioria importa seus computadores, aviões a jato e outros produtos. Então por que quase todos os países insistem em produzir seu próprio dinheiro? Uma razão pode ser a de que ninguém vê qualquer custo em ter uma moeda nacional. Mas, para a maioria dos países, sem controles monetários rígidos, a decisão de ter uma moeda nacional eleva a taxa de juro dos seus empréstimos internos, além do custo de produção da moeda que é altíssimo. Assim, é claro que o fato de alguns países terem uma moeda nacional coloca as firmas nesses países em desvantagens de custos no mercado internacional, pois os investidores interessados em futuras mudanças nas taxas de câmbio exigirão uma taxa de juros mais alta para estocar ativos denominados na moeda nacional. Na medida em que as taxas de juros mais altas cobradas são um resultado da existência de uma moeda nacional, existe um custo real para esses países, pois alguns projetos de investimentos que poderiam ser empreendidos lucrativos, se as taxas de juros fossem mais baixas, nunca serão realizados. Os governos lucram tendo uma moeda nacional, pois o custo da produção do dinheiro – imprimir as notas bancárias ou emitir os depósitos – é inferior ao seu poder aquisitivo em termos de bens e serviços. Esses lucros da produção de dinheiro são uma formas indireta de tributação Na verdade, a emissão de dinheiro, muitas vezes, é um modo menos dispendioso de tributar o público, especialmente, se o aparelho administrativo fiscal é inadequado ou corrupto Este também é um modo de evitar oposição parlamentar a impostos mais altos Os juros mais altos do mercado financeiro são o equivalente da redução de preços no mercado de refrigerante.

Desde 1971, as transações externas maiores e de crescimento mais rápido envolvem a produção de depósitos bancários em dólares em Londres, Zurique e outros centros fora dos Estados Unidos, o termo genérico para todas essas transações é o “mercado monetário externo, ou eurodólar”.

Os bancos fora dos Estados Unidos emitem depósitos em dólares em resposta à procura do investidor. O dólar é uma unidade de conta – um dos padrões do mundo do dinheiro, uma medida comparável ao litro ou ao metro – esses depósitos não são dólares americanos e estão fora da jurisdição legal dos Estados Unidos. Nos Estados Unidos os regulamentos do “FED” estipulam que os bancos comerciais não podem pagar juros sobre depósitos à vista (o teto é zero), o “FED” também fixa tetos de juros sobre depósitos a prazo fixo e poupanças, além do que estabelece percentuais de depósito compulsórios (não remunerados) sobre os depósitos bancários.

Não há mistério na produção de depósitos em eurodólares. Em princípio, o processo é o mesmo que quando um banco no lado leste da Quinta Avenida em Nova York transfere fundos para uma associação de poupança ou empréstimo, no lado oeste. A única diferença é que o eurobanco em Londres fica do outro lado do Atlântico, e não do outro lado da rua.

A reforma do sistema monetário internacional poderia ser realizada com mudanças em alguns poucos acordos importantes. Formulando assim, o problema da reforma não parece muito difícil, porém na prática é muito complicado, tendo em vista que os – OS BANCOS CENTRAIS LÊEM RESULTADOS DE ELEIÇÕES E NÃO BALANCETES -, pois o que cada Governo nacional quer saber é como os acordos propostos afetarão sua capacidade de alcançar seus próprios objetivos nacionais – pleno emprego, um nível de preço estável, crescimento rápido, maiores lucros comerciais e mais exportações. Qualquer governo assinaria prontamente um acordo para a reforma monetária internacional se lhe permitissem redigi-lo, escolher a administração da instituição e formular suas políticas. Os líderes políticos falam sobre as virtudes da “COOPERAÇÃO INTERNACIONAL, mas os fatores internos frequentemente merecem a prioridade, especialmente quando a próxima eleição será daí a alguns meses. A reforma monetária internacional tem um eleitorado limitado.

Como regra geral, quanto mais poderosa a burocracia, menor o campo de ação para decisões orientadas para o mercado. A burocracia afeta as decisões de várias maneiras – pelo controle da distribuição de credito, imposto, obras, investimentos, importação, etc. É evidente que movimentos para uma economia mais aberta tenderão a enfraquecer o controle burocrático e, assim, ameaçam o futuro da burocracia.

Atualmente precisa-se de um novo sistema para substituir os acordos de Bretton Woods. Precisa-se de novos regulamentos para mudar as paridades cambiais e é preciso encontrar um novo mecanismo para produzir moeda internacional. As funções internacionais – se houver – do ouro e do dólar no sistema têm de ser definidas.

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

Share This Post On

Submit a Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *