Demurrage de containers – O retorno

 

Voltamos, neste artigo, ao assunto do nosso último, do mês anterior, que teve o título de “Demurrage de Containers”. Certamente um assunto controverso, que não é para apenas uma edição. O anterior tinha apenas um objetivo, mostrar a validade da demurrage. E entendemos que é um assunto que não tem como ser contestado. Tem de ser muito claro a todos que a propriedade tem de ser respeitada.

Demos como exemplo de propriedade a ser respeitada um filme alugado.  Poderia ter sido o aluguel de um carro. O mesmo ocorre com o container. Ele é um objeto de uso, de transporte, de propriedade de alguém. É bem verdade que estamos vivendo num país em que a propriedade não é muito respeitada, e isso pode justificar a grita contra a demurrage de container. Vemos na imprensa as invasões de propriedade o tempo todo, e pelos mais variados motivos. Também o governo desrespeita a propriedade todo o tempo. O avanço sobre os recursos da sociedade é um exemplo. E assim por diante. Parece que entramos na era de desrespeito geral no país.

Além do desrespeito à propriedade, estamos nos tornando cada vez mais uma sociedade de capitalismo de Estado. Queremos a sua proteção, como se não fôssemos capitalistas. Mas, sempre, apenas, quando interessa. Quando não interessa, ou se ganhou bem com isso, dane-se o Estado, ou seja, a sociedade. O Estado é cada um de nós. Somos o típico país do “venha a nós o vosso reino…”.

Desta feita vamos abordar a questão de valores, pelo qual se grita bastante. É comum ouvirmos que o valor é muito alto, que é um abuso. Mas, interessante, é que qualquer valor é sempre considerado alto e abusivo. Sempre se misturando o valor com a justa cobrança. Cansamos de ouvir isso em 44 anos, não importando o valor. Houve época em que o valor era de poucos dólares, e hoje é de dezenas.

Por que isso aconteceu, por que subiu tanto, se deve a vários fatores. É claro que existe a ganância do armador. Em especial quando os tempos são difíceis. Ai se procura alguma forma de receita, e no vale-tudo de hoje em dia, também as elevações desses valores. Sem contar que se houver a utilização de um NVOCC – Non Vessel Operating Commom Carrier (Transportador Comum Não Operador de Navio) esse valor pode aumentar, mas se este colocar algum ganho para si.

Outra razão é que compete a cada parte defender seu lado. E, nesse caso, os armadores sempre foram mais fortes. Em especial ao se tornarem cada vez maiores e donos de grande parcela de mercado. E isso ocorre porque são mais organizados. Os comerciantes nunca se organizaram e aí o padecimento é flagrante. Durante umas três décadas defendemos que importadores e exportadores se unissem para equilibrar o jogo com os armadores e com os terminais portuários, o que nunca ocorreu. Depois de nos cansarmos de tanto falar, resolvemos escrever dois artigos “Armadores, embarcadores e navios” e “Usuários e terminais portuários”, publicados, respectivamente, em julho/2013 e agosto/2013 nesta mesma revista Sem Fronteiras.

Só o que temos nesse sentido foi a criação da Usuport, da Bahia, ocorrida em 2004, e agora as Usuports do Rio de Janeiro e Santa Catarina, criadas em 2013. Como dissemos em nossos artigos, muito tarde para o que poderia ter sido feito. Mas, agora existem, felizmente. Além do Comitê dos Usuários dos Portos e Aeroportos do Estado de São Paulo (Comus), da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), uma entidade de consulta, criada em 1993. Essas associações precisam ser efetivas o suficiente para colocar os usuários em melhores condições de negociação.

Outra razão é o desmantelamento da nossa marinha mercante. Que já representou cerca de 30% do nosso comércio exterior marítimo na virada das décadas de 1970-1980. Que hoje representa 0%. Além de já termos sido o segundo maior produtor de navios do mundo, o que também acabou naquela época. Com uma armação nacional, mesmo frágil, a pressão é sempre mais fácil, mas não a temos mais.

Também existe a questão devida ao próprio comerciante. Todos sabem que é comum este utilizar o container indevidamente, como local de armazenagem. O que é uma atitude deplorável. Ou porque considera que isso é mais barato, ou porque não conhece as implicações dessa retenção, ou porque considera que a cobrança não pode ocorrer e que vai brigar por ela. Mais uma vez deve ficar claro que container é equipamento de transporte, porão do navio, e não armazém, e sua utilização dessa forma é, no mínimo, imoral.

Há também a questão sempre invocada, que a retenção nem sempre é culpa do comerciante, mas da aduana, cujo despacho é demorado. Certo, argumento válido. Porém, válido para brigar com a RFB e nossas autoridades em geral para que facilitem, entrem no mundo em que vivemos, e deixem de tratar comerciantes como delinquentes. Mas nunca para se eximir da responsabilidade pela demurrage.

Em primeiro lugar o valor é combinado, embora, normalmente, imposto. Mas, concordou, está válido. Em segundo lugar, a incompetente aduana brasileira não é problema dos armadores, mas dos brasileiros que nada fazem para mudar esse estado de coisas. Em se querendo melhor condição, temos que lutar por ela. Do céu só cai, normalmente, chuva e avião.

Vai Brasil, acorda do berço esplêndido em que dormes há mais de cinco séculos.

Revista Sem Fronteiras Virtual

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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