Devagar que o andor é de barro

 

Temos ouvido muitas opiniões sobre 2006, e ultimamente a bola de cristal do planalto vem garantindo um crescimento de 5% no ano. Temos dito que, tecnicamente, ninguém tem condições mínimas de garantir nada e dizer o que poderá ocorrer em 2006. Do jeito que as coisas estão, tudo é uma loteria. E prova disso é que, tendo crescido 4,9% em 2004 – graças apenas ao comércio exterior – em 2005 voltamos ao joguinho, com direito até a trimestre recessivo.

Por mais otimistas que queiramos ser, e o somos muito, o que pode ser visto em nossos artigos, não conseguimos enxergar tantas possibilidades assim.

É perceptível que esquecemos como se cresce, o que pode ser visto pelos últimos anos, e sequer estamos aproveitando o crescimento mundial.

Houve um grande frenesi em 2004 pelo crescimento na economia, e avanço da exportação em 31%. Nem nos lembrarmos dos países emergentes que apresentaram crescimento econômico maior, em especial a China, que cresce há 25 anos a 9% ao ano. Exato tempo em que não crescemos e temos mantido uma média de pouco mais de 2% ao ano. Quanto à exportação, da mesma forma ficamos para trás, sendo apenas o trigésimo país em crescimento. Assim, vemos como nos entusiasmamos por tão pouco.

Neste sentido, não temos sequer acompanhado o extraordinário momento pelo qual passa a economia e comércio exterior mundiais. Se não temos aproveitado momentos propícios, o que ocorrerá se o mundo crescer menos do que atualmente? Provavelmente o mesmo que tem ocorrido há 2,5 décadas, qual seja, quando o mundo entra em crise nós entramos em crise, e quando o mundo cresce, nós entramos em crise (sic).

Alguém poderia perguntar, singelamente, por que tem que ser assim, e por que o Brasil não poderia crescer em momentos ruins como tem ocorrido com outros, em especial a China. Desculpem-nos citarmos insistentemente a China, mas há como não fazê-lo?

Simples, o Brasil não tem condições de crescer por diversos motivos. As razões fundamentais são que não temos política econômica e investimentos, e temos as mais altas taxa de juros e carga tributária do planeta. E vide que já voltamos ao velho joguinho em 2005, crescendo bem menos que o mundo.

Ninguém pode investir com a atual taxa de juros, em especial com inflação baixa, em que não é possível repassar o custo financeiro aos preços. Embora a taxa selic esteja nas alturas, nem de perto os juros do Brasil real a acompanham, com o dinheiro custando acima de 40% ao ano. A média mundial é de 2 pontos percentuais acima da inflação, sendo a nossa de 13 pontos, representando mais de 250% sobre a inflação.

A carga tributária astronômica implica em dizer que, com lucro ou prejuízo das empresas, a receita do governo está garantidíssima em quase 40%. Só mesmo no país tropical do Simonal. Como pode ser, e como repassar isso aos preços em tempos de inflação controlada? Na China, e desculpem-nos de novo, é de 16%. Mas, para não sermos parciais e ficarmos só nesta emergente potência, podemos citar cargas tributárias de outros países como Bolívia (13%); Venezuela (16%); Chile (18%); México (19%); Argentina (21%); EUA e Coréia (25%); Japão (26%). Não fica muito difícil entender a diferença entre crescimento e sua falta.

O investimento está, no momento, e comemorado com grande euforia, em quase 20%, o que é apenas um número de reposição. Não se pode crescer investindo tão ínfimo percentual do PIB-produto interno bruto. A China (outra vez?) investe 40% de seu PIB. Não é difícil entender a diferença no crescimento.

Não temos política econômica, que a única coisa que sabemos fazer é controlar a inflação, e assim mesmo com a taxa de juros. Como se não existissem outras maneiras, como depósito compulsório, controle da moeda em circulação, prazos de pagamentos de compras e de consórcios, etc. etc.

Com os problemas da taxa de juros e carga tributária, ainda temos os pseudo experts, até economistas famosos, dizendo e querendo provar que nossa inflação é de demanda e não de custos.

A nossa política de comércio exterior é simplesmente acompanhar o mundo. Não podemos trabalhar dessa maneira, aproveitando-nos apenas, e parcialmente, dos bons momentos da economia internacional. Como ficará a economia e o comércio exterior se o mundo não repetir em 2006 o que vem fazendo nos anos recentes, inclusive em 2005?

Basta que a economia mundial não repita 2005 e o Brasil poderá ter sérios problemas mais à frente (mais ainda?). Ou será que ainda há alguém que acredita que o nosso comércio exterior pode continuar crescendo indefinidamente às taxas atuais? Nada disso, e se ocorrer um crescimento do mercado interno, por menor que seja, já afetará a exportação. Não temos qualquer condição, sem pesados investimentos, e não temos como fazer isso instantaneamente, de crescermos o necessário.

E será que é impossível termos problemas econômicos sérios em 2006? Há uma grande chance disso ocorrer, e rezaremos o suficiente para que não ocorra. E lembrem-se, nada é mais forte para decidir eleições do que a situação econômica.

Abraham Lincoln: Pode-se enganar todo mundo durante algum tempo e certas pessoas durante o tempo todo, mas não se pode enganar todo mundo o tempo todo.

revista Trade and Transport

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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