Incoterms®: um ilustre desconhecido e termo FOB no container

 

É possível que, ao ler o título deste artigo, alguém tenha estranhado o antagonismo das palavras ilustre e desconhecido. E se perguntado como algo ilustre pode ser desconhecido, especialmente os Incoterms®. Simples, pois todos, de alguma forma, já conhecem ou sabem da sua existência. Porque o leram, estudaram, ouviram, trabalharam etc. E se não, pelo menos já ouviram falar em alguns de seus termos, como FOB.

A questão é que pouquíssimos sabem exatamente o que ele representa e quais seus objetivos, o que faz. Em especial, todos os termos e suas nuances. É normal que se conheça mais os termos FOB e CFR e, assim mesmo, com poucas ou muitas limitações. Isso é o que faz dos Incoterms®, esse ilustre desconhecido. É normal os profissionais e empresas não terem este mais importante livro do comércio exterior, Incoterms®, em nossa opinião, sobre suas mesas de trabalho.

Conhecemos poucas pessoas com condições de discuti-lo em sua totalidade, em cada termo, frase, palavra, letra. E sempre nos perguntamos como isso é possível. Ninguém vai aprender sobre ele se não o tiver e ler diversas vezes até sua familiarização total. E, depois, pelo menos umas duas vezes ao ano para relembrar pontos perdidos com o tempo. Cada leitura, novo aprendizado.

O maior problema, a nosso ver, é achar que ler resumos, ou simples conversas, vão lhes dar o necessário conhecimento e permitir que possam utilizar os Incoterms® sem problemas.

A falta de leitura provoca tudo quanto é tipo de erro. Por exemplo, entre muitos, não saber o que significava mercadoria embarcada no FOB até a versão 2000. A resposta que recebíamos de todos era mercadoria a bordo, no navio, embarcada, navegando etc. e raramente a resposta correta, que era a entrega no espaço aéreo do navio. Sim, exatamente isso, pois a mercadoria subia para o navio por conta do vendedor e descia por conta do comprador. E isso estava apenas na Guidance Note (Nota de Orientação) do termo FOB, que dizia que a mercadoria era entregue passando a amurada do navio (ship’s rail).

Situação que mudou a partir da versão 2010, em que a mercadoria passou a ser entregue no porão de navio convencional, devidamente colocada no espaço reservado a ela em caso de mercadoria a granel (bulk cargo) ou individual (breakbulk), ou em container no slot do navio porta-containers (slot = posição determinada pelos números da baia, coluna, altura, por exemplo, baia 15, coluna 4, altura 6).

Quer dizer que o container também pode ser entregue a bordo do navio? Sim, absolutamente normal. E é o que mais se faz, mesmo sem muitas pessoas se darem conta disso. Sabemos que a maior parte da carga geral é embarcada em container. E também que a maior parte do comércio exterior é realizado nos termos FOB e CFR. Então, elementar meu caro Watson, inclusive o container. Portanto, conclusão mais que óbvia.

Há quem acredite que o FOB não serve para venda de mercadoria em container. É um engano, má interpretação dos Incoterms®. Nós mesmos, nas duas maiores empresas de exportação de frangos do mundo, brasileiras, tínhamos esta situação, com embarques de dezenas de milhares de containers na carreira.

Mas, como as pessoas fazem e não sabem? Simples. Muitos acreditam que, ao entregar o container ao operador portuário para embarque, cessa a responsabilidade do vendedor no FOB, que justamente significa livre a bordo. Não é só o container que é entregue ao operador portuário para ser levada ao navio. As cargas geral e granel também são. Nenhum vendedor entrega sua carga a bordo por si próprio. Ninguém coloca a carga nas costas e a leva a bordo.

Portanto, o embarque é sempre realizado pelo operador portuário em qualquer situação ou termo. Assim, não há qualquer diferença para os Incoterms® se é granel, carga geral ou container.

E onde entram os Incoterms® no processo de embarque? Em nenhum lugar. Não é problema dele. Não importa a maneira como algo é embarcado. Com qual tipo de equipamento é realizado, ou, hipoteticamente, se o vendedor coloca a carga nas costas e a leva a bordo, se for possível. Ele não aborda isso.

Quem conhece profundamente os Incoterms® sabe que este instrumento tem apenas dois objetivos; dividir riscos e custos. E apenas entre duas partes, vendedor e comprador. Eles não abordam mais nada. E não dizem respeito a quem quer que seja que não o vendedor e comprador. E, a propósito, nele não existe exportador ou importador como muitos acham, escrevem e falam.

Ele não rege a operação de embarque, contrato de compra e venda, nem contrato de transporte, nem de seguro, nada. Ele deve ser incorporado ao contrato de compra e venda, mas não o rege. É incorporado apenas para definir quais riscos e custos caberão a cada uma das duas partes, vendedor e comprador, que é só o que ele faz. Absolutamente nada mais.

O armador (transportador marítimo) – e isso vale também para qualquer outro tipo de transportador – sequer sabe qual termo dos Incoterms® foi utilizado na operação. Nem sequer recebe ou tem acesso ao contrato de compra e venda. Não sabe nada sobre isso. Não é problema dele, e nem tem a obrigação de conhecer este instrumento. A não ser que, de alguma forma, em algum momento, seja vendedor ou comprador, por exemplo, na compra de mantimentos para o navio. A ele só interessa quem vai pagar o frete, onde e quando.

Inclusive, e de extrema importância, o que nem sempre é levado em consideração, que não sendo um instrumento legal, nem convenção internacional, mas apenas um instrumento informal da ICC – International Chamber of Commerce (Câmara de Comércio Internacional), ninguém é obrigado a usar os Incoterms® em suas vendas e compras. Repetimos que é instrumento informal e não obrigatório de uso. Usa quem quer para dividir riscos e custos entre vendedor e comprador, regras que devem ser cumpridas se usadas. Havendo dúvidas entre vendedor e comprador sobre essas regras, elas podem ser dirimidas pelo judiciário (que deve ser evitado a todo custo por não conhecer comércio exterior, muito menos Incoterms®) ou câmaras de arbitragem, apenas com base neste instrumento.

E, para quem tem dúvidas sobre o container no FOB, se ainda não está convencido, o que deveria, sem medo, segue o que diz o termo FOB, nas Notas Explicativas para os Usuários – que na versão 2020 substituiu as Notas de Orientação – no item 2 modo de transporte: “Esta regra é para ser usada apenas para transporte por mar ou aquaviário interno, onde as partes pretendem entregar as mercadorias colocando-as a bordo da embarcação. Assim, portanto, a regra FOB não é apropriada onde as mercadorias são entregues ao transportador antes de estarem a bordo da embarcação, por exemplo, quando as mercadorias são entregues ao transportador num terminal de containers. Onde este é o caso, as partes devem considerar usar a regra FCA ao invés  da regra FOB”. (grifos nossos)

Portanto, fica bem clara a opção ao vendedor. O que estabelece é que se for entregue a bordo do navio usa-se o termo FOB. Se for entregue num terminal de containers, usa-se o termo FCA. Mais claro é impossível.

https://www.aduaneiras.com.br/Materias?guid=3ba16fac05d930d6e0637f0110ac7913

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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