Tarifaço, ideologia, governo, atraso

 

Quando se tem um país inigualável, único, com coisas boas que outros não têm, e não tendo coisas ruins que outros têm a conclusão é que o crescimento, desenvolvimento, bem-estar da sua população é inevitável.

E quem está nesta favorável posição? Exatamente o Brasil. Ninguém mais.

Somos um dos maiores países do mundo em território e em população. Temos o maior território agricultável do planeta. Uma costa marítima de 7.500 quilômetros. Um subsolo e terras raras que poucos têm. 13% de toda águia doce do planeta sob nossos pés. Floresta única com sua biodiversidade altamente cobiçada. Sol praticamente o ano todo, etc. etc. etc.

Não temos gelo, neve, furacão e suas variações, terremoto, vulcão. Que outro país no planeta tem essa condição? Nenhum. Por isso somos únicos.

E essa condição deveria proporcionar o que? Tendo as melhores condições físicas da Via Láctea, como costumamos dizer, temos que ser o melhor país, muito à frente dos demais. E, não por algum tempo como tem ocorrido ao longo da história, com revezamentos no topo, e hoje esse topo ocupado pelos Estados Unidos da América. Teríamos que ser o melhor de todos e em todos os tempos. Justificar nossa condição única.

E, considerando o que já fomos, o que já crescemos, não há, absolutamente, qualquer razão para a nossa condição atual, de um dos países com as piores condições do mundo, pelo menos entre aqueles que interessam e entram em boas estatísticas.

Como um país desse pode estar lá pela 70-80º posição em renda per capita? E, por favor, nada de evocar o PIB – produto interno bruto, que é uma meia falácia, pois, se estamos entre as 10-12 maiores economias mundiais nessa condição, isso se deve apenas à grande população de cerca de 220 milhões de habitantes.

O que vale é o relativo e não o absoluto, que não deve ser levado em consideração nessa proporção. O que queremos dizer com absoluto e relativo é o seguinte. Korea do Sul tem um PIB de US$ 1,7 trilhão em 2023, mais de 20% menor que a do Brasil, mas, feito por 52 milhões de habitantes, o que significa uma renda per capita de US$ 33 mil. O Brasil tem um PIB de US$ 2,2 trilhões em 2024. Mas, feito por 220 milhões de habitantes, o que significa uma renda per capita de US$ 10 mil, segundo o CIA World Factbook https://www.cia.gov/the-world-factbook/. Quem é mais rico? Elementar meu caro Watson.

E, também, por favor, duplamente, nada de vir com o argumento da PPP – paridade de poder de compra, o sexo dos anjos na economia, que deveria ser enterrado por absoluta falta de sustentabilidade, que para nada serve, a não ser encher a bola de alguns países, inclusive este grande acampamento, que esperamos algum dia seja um país, uma nação. O que vale é o PIB real, aquele produzido, palpável, colocado à disposição da população.

Vamos abandonar nossa condição de eterno país do futuro. O futuro não existe, nunca ninguém viu. O que existe é o presente. Assim, vamos assumir e ser do presente, e justificar nosso passado de crescimento, um dos maiores do mundo no século XX.

Entre 1901 e 1980 crescemos 5,76% de média ao ano. De 1950 a 1980 tivemos 7,43% ao ano. Subindo para 7,64% ao ano de 1959 a 1980. E foi de 11% ao ano, com pico de 14%, entre 1968 e 1974, quando éramos chineses antes dos chineses. Eles que passaram a crescer apenas a partir de 1978, estabelecendo, provavelmente, o maior crescimento contínuo, e de altos números da história. Ao passarem, segundo se diz, de uma renda per capita de US$ 179.00 em 1978 para US$ 13 mil hoje. Enquanto, nesse período, o Brasil passou de US$ 2,7 mil para US$ 10 mil.

A partir de 1981 a economia degringolou. Com isso, nosso grande crescimento de 1901 a 1980 baixou drasticamente para 4,49% de 1901 a 2024. E de 1981 a 2024 nosso crescimento teve média anual de 2,18%. O pior aconteceu na década de 2011 a 2020, quando nosso crescimento situou-se em 0,22% ao ano, o pior da história, deixando para trás a vergonhosa década perdida, a de 1980, que teve crescimento anual de 1,67%.

Agora, para mal dos pecados, como um player econômico mínimo, com economia das maiores em valor absoluto, mas, das menores em valor relativo, que é o que vale, estamos em guerra com os Estados Unidos da América – EUA, por causa do tarifaço de 50% sobre a importação de nossas mercadorias. Em primeiro lugar por culpa nossa mesmo, por termos tarifas de importação maiores do que a deles, o que é considerado, com razão, injusto. Em segundo lugar, por estarmos na contramão do mundo. Todos os países sentaram à mesa para negociar. O único que não o fez, e ainda confronta e agride a maior potência mundial é o Brasil. Justamente o que tem as piores condições para isso. Uma falta de bom-senso e inteligência a toda prova, prejudicando uma população enorme, de um país pobre. Pobre por opção própria e não alheia. E, pior, hoje o presidente autorizou a reciprocidade. Se não abandonar a ideia, e for em frente, o que acha que os EUA farão?

Vamos colocar as coisas nos seus devidos lugares. O que está atrapalhando o país não é o tarifaço, em algum grau bastante justo pela injustiça do comércio bilateral e pelo confronto desnecessário e desmedido.

O que está atrapalhando o Brasil são o governo e a ideologia implantados no país desde 1995. Nessa ocasião, segundo se sabe, os EUA compravam 25% das nossas exportações. E compravam industrializados. A partir daí os governos e suas ideologias, exceto um deles, resolveram considerar os EUA o grande satã, que deveria ser jogado na lata de lixo e trocado por outros parceiros de mesma ideologia, ditaduras e menos importantes, com exceção da China, de grande importância.

Com isso, nossas exportações para os EUA foram reduzidas para 9%, destruindo, por tabela, um pouco mais, a nossa indústria. Tivemos uma pequena recuperação nos últimos anos para 12%. Agora por nos considerarmos, unilateralmente, um grande player, um país de grande importância econômica, ideia tirada não se sabe de onde considerando os últimos 44 anos, estamos novamente desconsiderando a maior potência mundial, desprezando sua importância. Em especial que há décadas somos cerca de 1,0% do comércio mundial, sempre com oscilações e nunca passando de 1,4% dele. Nem sequer alcançando o que já fomos em 1950, quando participávamos com 2,2%.

O comércio bilateral com os EUA, com pouco mais de US$ 80 bilhões, que já é diminuto, quando poderia ter sido mantido e estando perto de US$ 200 bilhões ou mais, poderá ir para o ralo de vez, com valores bem menores. Embora, na realidade, apenas 1/3 das nossas mercadorias estão taxadas em 50%.

Aí perguntamos: a culpa é do tarifaço dos EUA, implantado por nossa própria culpa? É a maior tarifa aplicada a qualquer país do mundo. É gratuita? Por que os outros países não estão na mesma condição? Por que somos os únicos soberbos, os únicos a brigar ao invés de sentar à mesa? Davi e Golias não estão à disposição a toda hora, é fato raro.

Brasil, acorda, que dormir já lhe fez muito mal. Pense no seu futuro com governantes que pensam no país e não o tempo todo, da nascença à morte, apenas em seus interesses.

Repetimos, chega de ser o país do futuro, um futuro que não existe, ninguém nunca viu. Só existe o presente, e o futuro será o que fizermos agora.

Devemos nos lembrar que nos anos 1970 surgiram os NICs – New Industrialized Countries, em que estavam Hong Kong, Singapura, Taiwan e outros, incluíndo o Brasil. E que seriam os grandes países no ano 2000. O que aconteceu e onde estamos?

No início deste século foi criada a expressão Brics, que seriam os grandes em 2050 e, novamente, estávamos entre eles. E onde estamos nós?

Teremos que esperar um novo grupo, uma nova sigla para ver se fazemos melhor e deixamos de ser apenas um grande acampamento?

Uma boa dose de humildade, de reconhecimento de nossas limitações de governança e de homens públicos comandando este grande acampamento faria muito bem a todos nós.

Temos que deixar de ser uma Ferrari dirigida por amadores sem carta de motorista por incapacidade de obtê-la.

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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