THC2, THC, Capatazia: erros judiciais

 

Parece que no Brasil certas coisas serão erradas para sempre. Cá estamos nós as voltas, novamente, com a THC2. Sendo, absurdamente, considerada como serviço adicional e, claro, com cobrança dupla. E a THC e a capatazia consideradas como serviço internacional, pagando imposto na valoração aduaneira.

Até quando a ignorância sobre esses fatos será considerada normal no País é um completo mistério. Talvez para sempre. E não só ignorância, mas, interesses. Parece que fazer a coisa certa é muito mais difícil do que a errada. Como disse Henry Ford no final do século 19, “a coisa mais difícil que existe é pensar”. A mais fácil é fazer errado. Mas, talvez, não seja apenas uma questão de pensar.

Parece, também, que defesa de interesses próprios é crime neste país varonil, cor de anil. Que, como vimos falando e escrevendo há anos, não faz parte da Via Láctea. Sendo sempre um grande acampamento, sem lógica de um país, uma nação querendo ser alguém. Sempre nos perguntamos por que empresários do comércio exterior reclamam, mas nunca tomam providências.

Há décadas defendemos que a classe do comércio exterior fosse mais unida. Que tivesse uma associação forte, que nunca teve. Temos artigos para isso – https://webapp381390.ip-45-56-126-89.cloudezapp.io/?p=270https://webapp381390.ip-45-56-126-89.cloudezapp.io/?p=246 – que poderiam ser associações de usuários dos portos. Que, infelizmente, só existem na Bahia, Rio de Janeiro e Santa Catarina, e em São Paulo, atualmente parada. Mas, que não têm defendido os importadores dos absurdos que ocorrem com essas cobranças. O que também não é feito pelas associações comerciais nem pelas federações de indústrias. Estranho.

Assim, temos que, julgado pela justiça, a THC2 foi considerada um serviço adicional. Completamente sem sentido. Isso se chama cobrança por perda de serviço por uma empresa, a ser feito por outra empresa fora.

Dizer que a THC2 é um serviço extra porque é entregue ao importador para fazer o serviço de despacho fora é um non-sense. Quando o container sai do navio, é desembarcado e colocado no pátio, ele tem duas destinações. Esperar para fazer o despacho no próprio terminal ou sair para fazer o despacho fora.

O container é movimentado para alguma área do terminal e, após o despacho, é embarcado no veículo coletor do importador. Direto ou por alguma transportadora.

Ou o container é embarcado no veículo coletor após a autorização da RFB, para transferência para outro local alfandegado.

A movimentação de um container no terminal não tem nada de especial quanto às duas opções. A THC normal é paga ao armador, que já terá pago ao terminal portuário pelo serviço de movimentação da unidade.

Assim, a cobrança dupla, através da chamada THC2, não tem justificativa plausível, a não ser interesse em reter no terminal portuário de desembarque o despacho da mercadoria.

Mas, o poder de argumentação e persuasão faz isto parecer normal. Enquanto isso, aos importadores, sem se movimentarem ou terem quem os defenda adequadamente, só resta pagar e ter seus custos aumentados.

Outra questão é também a julgada legalidade da colocação dos valores da THC (quando se trata de container) e capatazia (quando se trata de carga geral ou granel) no porto de destino no valor aduaneiro para cobrança de tributos na importação.

Esta, então, é mais absurda ainda. Se a THC2, por opinião de alguns, até possibilita a discussão, que não deveria existir, esta outra não dá a menor chance a isso.

Em palavreado simples, sem elucubração, o valor aduaneiro de uma mercadoria é o seu valor de chegada ao país, incluindo THC e capatazia no país de embarque e eventuais países de trânsito, mas nunca no do destino. Usando os Incoterms® é o valor CIF ou CIP. Se for um termo anterior, como FOB, por exemplo, deve-se somar ao Valor da Mercadoria no Local de Embarque (VMLE), as despesas de frete e de seguro, se houver a sua contratação. Se for, por exemplo, DAP, deve-se deduzir o valor do transporte interno.

No momento em que a mercadoria toca o chão do terminal, seja carga geral, granel ou container, cessa esse valor de chegada. Estando o custo do desembarque incluído no frete, nos termos Liner Terms ou Liner In Free Out, ou não, nos termos Free In and Out ou Free In Liner Out.

Assim, a THC ou capatazia, é despesa ocorrida no país, já no terminal portuário de desembarque. Terminal que fica no país do importador e não no exterior. Portanto, não pode, de maneira alguma, ser incluído no valor aduaneiro da mercadoria. É um completo non-sense e pura e simplesmente arrecadatório.

E, por incrível que pareça, além de absurdo, é ilegal. Não está previsto no Regulamento Aduaneiro, cujo artigo 77 reza “Integram o valor aduaneiro[…] Inciso I – O custo do transporte da mercadoria importada até o porto ou aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro. Inciso II – Os gastos relativos à carga, à descarga e ao manuseio, associados ao transporte da mercadoria importada, até a chegada aos locais referidos no inciso I. Inciso III – O custo do seguro da mercadoria durante as operações referidas nos Incisos I e II”. (grifos nossos).

E, além disso, para reforçar, ainda temos o artigo 79 do Regulamento aduaneiro, que reza “não integram o valor aduaneiro […] Inciso I – os encargos relativos à construção, à instalação, à montagem, à manutenção, à assistência técnica, relacionados com a mercadoria importada, executados após a importação. Inciso II – os custos do transporte e seguro, bem como os gastos associados ao transporte, incorridos no território aduaneiro, a partir dos locais referidos no inciso I do artigo 77”. (grifos nossos).

No artigo 2 temos “O território aduaneiro compreende todo o território nacional”.

No artigo 3 temos “A jurisdição dos serviços aduaneiros estende-se por todo o território aduaneiro e abrange: Inciso I – a zona primária, constituída pelas seguintes áreas demarcadas pela autoridade aduaneira local – a) a área terrestre ou aquática, contínua ou descontínua, nos portos alfandegados […]”.

Assim, além da questão prática da THC ou capatazia ser uma despesa no país do importador, tem a questão da ilegalidade, pois não está previsto como se vê nos artigos reproduzidos acima. E, nem poderia, pois ensejaria a abertura de um Painel na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra o Brasil.

Até quando vamos conviver com isso neste país, realmente é uma incógnita. Mas, incógnita que tem nome. Falta de uma associação adequada. Falta de união entre os interessados. Falta de interesse em defesas próprias. Vontade de reclamar e reclamar, e nunca fazer nada. Medo dos terminais, medo da Receita Federal do Brasil. Medo do enfrentamento em defesa de sua “casa” ou causa.

 

Site da Aduaneiras, 23/03/2020 http://www.aduaneiras.com.br/Materias?guid=2c9ca39b10e157454b2094693d0a74e7

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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