Transporte rodoviário: o desperdício

 

Há duas décadas defendemos, e transmitimos a nossos alunos e interlocutores, que o rodoviário é o modo de transporte mais caro que existe. Mais caro que o transporte aéreo. Obviamente que, a priori, ficam todos surpresos. Mas, explicando, fica claro.

A ideia geral, e nunca vimos colocado de outra forma, é considerar o aéreo o mais caro de todos os modos de transporte. Isso ocorreu durante quase 15 anos, quando sempre formos contestados. Mas isso durou “apenas” até 2014 quando as coisas começaram a mudar a nosso favor, o que veremos mais abaixo.

Enquanto sempre se considerou que havia apenas uma categoria de custos, isso era verdade, e o aéreo era o campeão do frete mais alto. Começamos a disseminar a ideia de que havia outra categoria de custos, que não era levada em consideração. E que tornava o transporte rodoviário o campeão do frete alto. Além, claro, de outros inconvenientes.

A ideia geral era de considerar apenas aquilo que chamamos de custos visíveis, quais sejam, custo do veículo, sua depreciação, manutenção de todas as formas como mecânica, pneus, etc. Além dos custos operacionais, estrutura, etc. etc.

Mas, além disso, há outra categoria de custo que não era considerada. E que começamos a defender, que torna o rodoviário o mais caro modo de transporte entre todos os existentes.

Que chamamos de custos invisíveis. Estavam lá, encareciam o produto, mas não eram vistos e computados pelo consumidor. Ou seja, um frete indireto sobre o produto, não considerado no preço de venda, pois era pago antes da compra.

Assentamos esses custos invisíveis do transporte rodoviário em três pernas. Utilização de estradas e vias públicas em geral, sem pagamento pelo uso. Produtividade do trabalhador. Poluição ambiental.

A primeira perna é a utilização de vias públicas, que o transporte rodoviário usa de terceiros. Esse modo, segundo se sabe, é composto de cerca de 100.000 transportadoras e 1.000.000 de autônomos, tendo no total cerca de 2.000.000 de veículos de carga.

Bem diferente do transporte ferroviário, que além de ter os equipamentos, ou seja, locomotivas e vagões, tem a via férrea que é dele. Ou seja, transita no que é seu e tem custo direto. E ainda assim é um modo mais barato do que o rodoviário.

Ao se produzir uma mercadoria qualquer, se usa matéria prima, energia, mão de obra, uma estrutura para tal, etc. etc. Aí são incluídos impostos, lucros, custos de transporte, distribuição, e mais etc. etc. Quando essa mercadoria chega ao ponto de venda ao consumidor, ela já recebeu os mais diversos custos e é vendida por um preço “X”.

Tradicionalmente esse preço de venda é considerado o preço que o consumidor pagou por aquela mercadoria.

Ledo engano. Como vimos acima, nenhuma transportadora ou caminhoneiro é dono de estrada ou qualquer trecho dela. Assim, ele anda na estrada de quem? Claro, do governo. E quem é o governo? O povo, naturalmente. Portanto, ao se pagar um preço “X” por determinada mercadoria, aquele não é o preço total, pois, antes, já se pagou impostos e os governos construíram as estradas e vias públicas em geral. Fora a manutenção. No qual os veículos andaram e quase nada pagaram por elas.

Aqui nos permitimos um aparte, para não considerar os custos dos pedágios. Mas por que, se são tão caros? Pela simples razão de que temos no país cerca de 1,7 milhão de quilômetros de estradas. E “apenas cerca de 21.000 são pedagiadas, pouco mais de 1%. Assim, não podemos considerar uma quantidade “tão pequena” como relevante. Isso ocorrerá quando 20-30-40% das estradas forem pedagiadas. Aí não se poderá mais construir qualquer veículo rodoviário por absoluta inviabilidade econômica no transporte.

Assim, voltando ao nosso assunto, já vimos que o preço final do produto não é necessariamente o preço pago pelo consumidor. Ele já pagou uma parte antes.

Além disso, temos a segunda perna, a poluição. O rodoviário é o modo mais poluente que existe. E quem paga pelo, digamos, “conserto” da poluição, do meio ambiente? A sociedade e não os transportadores rodoviários, que não têm um fundo para isso. Mais um custo invisível da mercadoria, que não entrou no seu preço de venda.

Assentamos a terceira perna na produtividade do trabalhador. Em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, trabalhadores perdem no trânsito, facilmente, 3-4 horas por dia na ida e volta. E acontece em muitas outras cidades também.

Qual a produtividade do trabalhador que saiu de casa antes do sol, chegou depois do sol se pôr, não brincou com o filho, não tomou uma cervejinha com os amigos? Qual a produtividade do trabalhador que saiu depois do sol, chegou antes dele se pôr, brincou com o filho, tomou aquela cervejinha com os amigos? Será que é a mesma? Claro que não. Quanto o país perde com isso? E quando se costuma dizer que a produtividade do trabalhador brasileiro é até quatro vezes menor que a do norte-americano?

Está claro, portanto, que o preço da mercadoria pago pelo consumidor é muito maior do que aquele preço da prateleira do supermercado. E que o transporte rodoviário é o mais caro que existe.

Em 2014 a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro fez um estudo mostrando que o país perdia R$ 98 bilhões por ano, 2% do produto Interno Bruto pelo uso do rodoviário apenas nas cidades de São Paulo e rio de Janeiro.

Mas, isso faz do transporte rodoviário um modo ruim? Claro que não. Costumamos defende-lo como o melhor meio que existe. Somente ele pode fazer tudo sozinho, sem depender de outros modos. Claro que nem tudo, mas, grande parte. Com ele se pode fazer transporte para quase todo o mundo. E todos os demais dependem dele.

Assim, o problema não é o transporte rodoviário, mas, o uso que fazemos dele. Cruzamos o país de norte a sul, de leste a oeste transportando carga por ele. E ele é um veículo adequado para distribuição de carga, pequenos trajetos, auxiliar dos demais modos que quase nada representam sem ele.

E há pouco ganhamos mais um problema sério, como o ocorrido em meados de 2018, com a paralização da categoria e o transtorno inimaginável a toda a população brasileira, com todos os inconvenientes possíveis.

Assim, precisamos mudar o uso desse veículo, e a nossa matriz de transporte, hoje talvez a pior da Via Láctea. Precisamos de mais logística, por mais trivial que seja, com a utilização da intermodalidade, e menos transporte direto com o rodoviário.

Acorda Brasil!

 

Site da Aduaneiras 21/09/2018

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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