A navegação brasileira para inglês ver

 

Numa feira e ciclo de palestras de comércio exterior, em 1997, e diante do que estava ocorrendo com os armadores mundiais, todos se unindo e crescendo, tornando-se mega-carriers com capacidade estática de transporte já acima de 200.000 TEU (hoje já há armadores com acima de 300.000 e um acima de 700.000 TEU, fora as encomendas), perguntei a dois armadores nacionais, da mesa, se este não deveria ser também o caminho das nossas gloriosas empresas, unindo-se para fazer um só armador de mais peso.

Perguntei também se julgavam que o destino natural delas, conforme minha crença à época, seria a cabotagem, tanto pela incapacidade de competição no exterior, quanto pela enorme vantagem da lei protegê-las com a reserva de mercado.

Pode-se imaginar que foram perguntas que polemizaram e acenderam o debate, e quem lá estava lembra-se disso. Também pode-se imaginar que não foram aplaudidas pelos armadores e um deles aborreceu-se comigo enquanto o outro, mais ponderado, disse concordar com a união, mas que considerava a idéia utópica já que os armadores nacionais não fariam isto. A impressão que me ficou era que “antes a morte que a união”.

Estranha posição, já que os armadores brasileiros não deveriam ser diferentes dos demais armadores internacionais, pois aqueles estavam se unindo e reduzindo drasticamente o número de armadores disponíveis. É claro que não faríamos nenhum mega-carrier, mas um do tamanho de todos juntos já seria muito bom, que afinal a chance de competir e crescer é bem maior, e seria melhor um armador nacional fazendo bem o seu papel, do que vários armadores tendentes ao desaparecimento.

Afinal, um país com cerca de 7.500 quilômetros de costa tem que ter, até por uma questão de honra, uma armada. A Suíça, que ainda nem conseguiu sua saída para o mar, tem uma grande armada digna do nome.

Passados mais de 4anos o que ocorreu com a nossa gloriosa armada que eu queria unir para ser mais forte? Bom, antes a morte que a união, lembram-se?.

Alguns desapareceram, outros foram absorvidos por empresas estrangeiras e alguns lutam bravamente pela sobrevivência, que espero que consigam e com sobras.

O que vemos em comum entre as sobreviventes, nacionais ou agora estrangeiras, é a predominância na operação de cabotagem. Nada contra, e acredito que numa ou outra o importante é competir, e bem, fazendo o seu papel econômico e social, e a cabotagem hoje é de grande importância para o país.

E o que vemos, felizmente, é que isto tem sido bem feito, ajudados pela lei 8.630/93 que melhorou as operações portuárias, agora privatizadas, bem como reduziu os preços de embarque, desembarque e movimentação de cargas.

A cabotagem está se transformando num orgulho nacional, cumprindo um papel extraordinário e crescendo dia a dia, tomando carga do modal rodoviário conforme já previsto no passado, o que deverá acentuar-se ainda mais daqui para a frente, fazendo a sua parte na redução do insuportável e inadmissível custo Brasil.

O que precisamos, uma vez que praticamente não temos mais armação, e que a cabotagem em realidade é feita por empresas estrangeiras, apenas sob o rótulo de empresas nacionais, é abrir de vez este mercado, de modo que ele possa desenvolver-se com quem realmente conhece o ramo, e agilize a tão desejada revolução da matriz de transporte, cuja navegação de cabotagem tem um grande papel a cumprir.

É preciso acabarmos com a hipocrisia do “para inglês ver” e assumirmos a verdadeira situação de penúria da nossa armada, assim como a capacidade de competição da armada estrangeira, hoje responsável por 99% do transporte de nossas cargas de importação e exportação realizadas pela via marítima e que, fisicamente, representa 93% do transporte de cargas que entram e saem do país.

Não seria uma atitude mais digna e coerente, fazendo legalmente aquilo que já é feito na prática e de amplo conhecimento geral não só do país mas de todo o planeta água?

Conclamo nossas autoridades, armadores e interessados a assumirem como de direito aquilo que já é um fato, de modo que, com a armação internacional participando ativamente deste mercado, ele possa desenvolver-se rapidamente através do know how acumulado por estas empresas. Deste modo, nossos custos de transportes podem baixar e melhorar a competitividade de nossos produtos, tanto no mercado internacional quanto no mercado doméstico, melhorando o poder aquisitivo de nosso sofrido e maltratado, para dizer o mínimo, pobre, literalmente, povo brasileiro.

revista Portos e Navios

jornal Portos e Comércio Exterior (Cabotagem: o destino da navegação brasileira para inglês ver?)

revista Transvip (Cabotagem brasileira: para inglês ver?)

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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