Cabotagem e a falta de lógica

 

Mais uma vez vamos tocar o piano na tecla da cabotagem. Este modo de transporte está esperando há décadas que se lhe dê a devida atenção. Um mínimo que seja. Mas, o governo, como sempre, parece não ter ouvidos para a lógica da situação. Deixando permanecer nosso péssimo sistema logístico, com a pior matriz de transportes da Via Láctea.

A cabotagem parece ser um interesse apenas das empresas de navegação e dos donos das cargas. De ninguém mais. Temos custos estratosféricos na logística interna, que todos conhecem. Que torna os preços das mercadorias bem mais altos do que devem ser. Com essa péssima logística, não há como ser competitivo. Nem no mercado interno, nem no externo.

No externo, como todos sabem, temos uma desvantagem adicional, que poucos perceberam ainda. Exceto nossos alunos, já que citamos e mostramos nas aulas. Nossa posição geográfica, para o comércio exterior, é a pior possível. Só olhar no mapa mundi. Estamos aqui no fundo da América Latina, bem longe dos grandes mercados. O mais perto é a América do Norte, mas nem tão perto. Outros grandes mercados do mundo, europeu e asiático, estão bem distantes de nós.

Os europeus e asiáticos estão lado a lado, em que os custos de colocação de uma mercadoria de um no outro é bem mais barata do que nós fazermos isso. Os norte-americanos estão mais perto dos europeus do que nós. O continente africano, que cresce mais que o latino-americano, está na cara dos grandes mercados.

Assim, vê-se que nós teríamos que ter a melhor logística interna possível, aquela de preços bem baixos, para podermos perder na externa. Mas, da maneira como as coisas ocorrem neste grande acampamento Tupiniquim – talvez algum dia um país, uma nação – não é assim. Temos uma péssima logística interna, que só agrava a externa. A conclusão é a conhecida. Participação diminuta no comércio exterior, ao redor de 1,1%, e em queda vertiginosa. O mundo cresce na economia e no comércio exterior, e nós regredimos nos dois.

A cabotagem, depois de submergir há muitos anos, juntamente com a navegação de longo curso e nossos estaleiros, voltou à superfície há cerca de duas décadas. Os mais vividos sabem que no final dos anos 70 nossa marinha mercante respondia por 30% do nosso comércio exterior. E que éramos o segundo maior produtor de navios do mundo. Como é normal aqui, perdemos tudo.

A cabotagem vem tentando, há duas décadas, voltar a flutuar. Por ora, embora esteja indo razoavelmente bem, se debate demais para continuar flutuando. Claro está que, praticamente sozinha, com suas próprias forças. Com pouca ajuda do governo. E o governo tem muito a fazer para isso.

Não estamos advogando subsídios, participação, nada que comprometa a iniciativa privada. É contra nosso princípio econômico, já conhecido, de absoluto liberal. Queremos liberdade absoluta na economia. Em que o governo não produza absolutamente nada. Apenas funcione como uma mega agência reguladora. Colocando os pingos da concorrência nos “iiis” para funcionar. O pior é que sabemos que está ocorrendo justamente o contrário. O governo vem se tornando cada vez mais intervencionista e onipresente. E a cada dia tira algo do empresariado, não permitindo sua evolução.

Estamos constantemente lendo e ouvindo que o governo tem mantido a disputa entre a navegação de cabotagem e o transporte rodoviário em condições desiguais. Nada querendo fazer para equilibrar a disputa. Nem mesmo ter a consciência que a cabotagem é um dos “Ovos de Colombo” para melhoria do país através do transporte e da logística.

Atividades estas que, fartamente se sabe ser extremamente ruins no país. Em que temos poucas estradas, inadequadas, com apenas 12% delas asfaltadas. Temos a pior ferrovia do mundo, com apenas 3,4 quilômetros para cada mil quilômetros quadrados de território. Nossos rios são utilizados em apenas 2%, e nossa quantidade de rios e água são imbatíveis. Matriz de transporte baseada no modo rodoviário. Que é o melhor meio de transporte que existe, mas não pode ser primordial. Tem que ser um elo da cadeia logística, fazendo a ligação e distribuição, e não cruzando o país com nossa carga.

O que queremos, pura e simplesmente, é condição igual para todos os modos. Que não é o que acontece. Segundo tudo que temos visto, lido e somos relatados, a cabotagem é tratada como se fosse uma navegação de longo curso, a utilizada no nosso comércio exterior. Com muitas exigências e documentos. Muito diferente do que ocorre com o transporte rodoviário.

Medo das autoridades de que o navio se desgarre, fuja das nossas águas territoriais para o mundo? E o controle e acompanhamento do governo? E como entrariam em outro país? Ora, ora, as empresas são nacionais, aqui registradas.

O preço dos combustíveis é outro sério problema. Bem mais alto do que aquele cobrado das empresas estrangeiras. E sem os subsídios concedidos ao combustível para o transporte rodoviário. Custo de construção de navio no Brasil é equivalente a no mínimo o dobro do preço internacional.

Tudo isso elimina fortemente a concorrência e prejudica o transporte marítimo de cabotagem. Prejudicando também o comércio exterior Essa discriminação é descabida e inadmissível.

Na questão da construção dos navios, temos que equipará-los aos preços internacionais, como advogamos há anos. Se no exterior o custo de construção de um navio porta-containers é de US$ 12.000 por TEU – twenty feet or equivalent unit (container de 20 pés ou equivalente), este deve ser o preço a se pagar no Brasil.

Como fazer isso é simples, conforme nossos artigos do passado. A diferença deve ser coberta, a fundo perdido, pelo FMM – Fundo da Marinha Mercante, constituído com o AFRMM – Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante. Afinal, ele não é cobrado aos importadores para incentivo e aplicação na Marinha Mercante Brasileira? Pois que se o utilize dessa forma. Muitas outras idéias podem ser colocadas e depende da criatividade e vontade política de se olhar o Brasil com mais carinho, e sem donos. Vamos deixar em aberto, para todos pensarem.

Revista Logística

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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