Cabotagem: mudanças necessárias (2007)

 

Há 10 anos, num seminário na hoje maior feira de comércio exterior do país, fizemos uma intervenção para dizer que da maneira como  “o barco era conduzido”, fatalmente desapareceríamos no transporte marítimo internacional e seríamos jogados para a cabotagem.

É claro que esta colocação irritou os armadores, em especial um deles, e o que vemos hoje, aliás desde o final da década passada, é justamente a ocorrência do que falamos. Já que não temos  mais transporte internacional com nossa própria bandeira – a menos que consideremos como nossas as empresas nacionais controladas pelas empresas estrangeiras e que tem 1% do mercado – precisamos e devemos aproveitar para outras mudanças.

Com os armadores existentes no mundo hoje, vários com capacidade de realizar todo o comércio exterior brasileiro de containers – de entrada e saída, de norte a sul, de leste a oeste, unidades cheias e vazias – e sem utilização de toda sua frota, devemos aproveitar esta vantagem internacional.

Como já perdemos o bonde, ops, o navio da história, em que nos anos 70 e início dos 80 a nossa marinha mercante representava 30% da carga transportada, e em que éramos o segundo produtor de navios do mundo, não nos resta outra alternativa, e temos que trabalhá-la fortemente, em nossa modesta opinião.

Assim, devemos aproveitar o momento, em especial de nosso crescimento no comércio exterior – em dólares e quantidade, mas não em participação mundial, em que permanecemos no mesmo lugar – para mudanças fundamentais que poderão afetar positivamente nosso comércio exterior para sempre.

Para isso sugerimos acabar com alguma hipocrisia e entendermos e assumirmos a situação de penúria da nossa marinha mercante, que é muito pequena para nossas potencialidades.

Já que nosso futuro na navegação – e não vemos de outra maneira – é a cabotagem, devemos transformá-la para melhorar nosso transporte, com reflexos na nossa logística e economia como um todo. Sugerimos algumas importantes ações, quais sejam.

Em primeiro lugar uma abertura da navegação de cabotagem às empresas estrangeiras. Heresia, isso não ocorre em nenhuma parte do mundo. Ora, o que importa? Em nenhum lugar do mundo também temos juros tão altos, impostos tão abusivos, baixa taxa de investimento, etc. e aqui temos. Não queremos entrar na questão política, preservando nosso humor e dos leitores.

Já que temos o transporte internacional feito com 99% de empresas estrangeiras, poderíamos aproveitar sua capacidade, e competência, para melhorarmos nosso transporte interno, com melhores processos logísticos, redução de frete, entrega mais eficiente de mercadoria e tudo o mais que possa ser carregado com essa ação.

Se um armador estrangeiro já traz mercadoria do outro lado do mundo para Vitória, e passa posteriormente pelo Rio de Janeiro, Santos, Itajaí, Rio Grande, etc., por que não pegar carga em Santos e entregá-la em Rio Grande, por exemplo? Qual o ganho para a economia brasileira e para seus cidadãos – entendendo que algum dia sejam tratados como tal.

Pregamos o desaparecimento da nossa marinha mercante? Não, que ela quase não existe, mas apenas a melhoria da sua competência, dentro do espírito de preservar o coletivo em detrimento do individual, em que ganha a sociedade e não um indivíduo ou empresa. E todos conhecem a competência brasileira para competir, e isso pode ser comprovado a partir da abertura econômica ocorrida em 1990. E a indústria automobilística é uma das nossas grandes provas e orgulho hoje. De carroças a carros de primeiro mundo, em que a exportação de 2006 foi de quase 10% do total exportado pelo país.

Também precisamos entender que embora o comércio exterior seja de extrema importância, e como professor e escritor entendemos, ensinamos e defendemos o seu crescimento cada vez maior, o brasileiro precisa ser priorizado.

Em segundo lugar, é preciso equiparar os preços dos combustíveis vendidos às embarcações brasileiras àqueles vendidos aos navios estrangeiros, sem impostos, que essa discriminação é descabida e inadmissível. Portanto, nossa aparente idéia de entrega, exarada acima, é muito mais compatível do que essa aplicada hoje contra os armadores nacionais.

Uma terceira idéia a ser aplicada, e que sempre defendemos, é a equiparação dos preços de construção dos navios aos preços internacionais. Se no exterior o custo de construção de  um navio porta-containers  é de 15.000 dólares norte-americanos por TEU – twenty feet or equivalente unit (container de 20 pés ou equivalente), este deve ser o preço de construção no Brasil, talvez até menos.

Como fazer isso é fácil, e a solução é simples. A diferença deve ser coberta, a fundo perdido, pelo FMM – Fundo da Marinha Mercante, constituído com o AFRMM – Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante. Afinal, ele não é cobrado aos importadores para incentivo e aplicação na Marinha Mercante Brasileira? Pois que se o utilize dessa forma, quase meio século depois que foi criado, ao invés de continuar tendo como destino o superávit primário do governo, em que fazem parte, indecentemente, também a CPMF – contribuição “provisória permanente” sobre movimentação financeira, criada exclusivamente para a saúde, e a CIDE – contribuição sobre a intervenção no domínio econômico, o conhecido imposto da gasolina, criado para investimento da infra-estrutura logística brasileira.

Muitas outras idéias podem ser colocadas, e depende da criatividade e vontade política de se olhar o Brasil com mais carinho, e sem donos.

revista Logística

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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