Dívida pública brasileira

 

Todos temos percebido o avanço firme e constante da dívida pública brasileira nos últimos anos, e nem sempre isso tem sido alvo de preocupação dos brasileiros. Ela já atingiu a cerca de 1,2 trilhão de reais ao final de 2007, e a tendência é o seu crescimento. Apesar do mega-superávit primário sempre realizado pelo governo, que são recursos “sonegados” ao investimento e à aplicação no bem-estar da população. É a esperança transformando-se em mais frustração a cada ano, com investimentos sempre por serem feitos.

A cada ano o superávit primário é maior, e mesmo assim a dívida cresce desvairadamente. Nos assola o triste pensamento sobre o que ocorreria se o povo brasileiro entendesse e pensasse mais seriamente sobre isso. E se perdesse a confiança nas instituições, especialmente no governo.

Qual seria o efeito sobre as finanças do país, alimentadas por essa ainda absurda taxa de juros?

Estamos convictos de que a reação seria incontrolável, pois uma dívida desse tamanho deixa a todos em situação completamente desconfortável. Se isso não ocorreu ainda, deve-se ao fato do povo brasileiro, infelizmente, não ter a cultura do protesto. E nem mesmo o interesse de acompanhar estes importantes e interessantes “detalhes”. Entendemos que a maioria do nosso povo, com certeza, desconhece o fato e quais as suas reais conseqüências.

Para os que não conseguem avaliar o que essa enorme dívida pública significa, já que, como costumamos dizer, o absoluto não existe, vamos trata-la relativamente. Ela representa quase metade do nosso PIB – produto interno bruto, que é tudo que produzimos em um ano fiscal, de 01/01 a 31/12, contados sábados, domingos e feriados. Representa ainda cerca de 120% do valor dos impostos arrecadados pela nação o ano inteiro.

E sabemos que os impostos são quase 40% de tudo que é produzido pelo país, levando cada brasileiro a trabalhar, em média, 5 meses por ano apenas para o governo, ou os meses de janeiro a maio inteiros. Por enquanto pelo que temos acompanhado ao longo das últimas décadas. Representa também quase 70 vezes os recursos destinados pelo governo ao investimento no país. Também mais de 3,1 bilhões de vezes o salário mínimo.

Portanto, não é difícil avaliar a gravidade da situação em que nos encontramos perante nossa monstruosa dívida pública. Se algum dia nosso povo “descobrir” tal distorção, que está constantemente na mídia, e baixar em cada um de nós o espírito politizado do argentino e sua peculiar maneira de protestar e buscar seus direitos, o que esperamos não demore, a situação poderá ficar complicada nesta terra de Cabral, ou de Colombo, o mais correto.

Mas, mais importante do que ter essa consciência, é saber porque nossa dívida é tão alta assim. Em primeiro lugar ela é devida à malversação do dinheiro público, que é sempre tratado como particular e não da nação, e isso é muito grave. Outro problema, também bem mais sério, é justamente a falta de crescimento adequado do país desde 1981, o que tem retido o PIB em valores muitos baixos.

Mas é possível que o mais sério dos problemas seja a astronômica taxa de juros, mantida pelo Banco Central nas estrelas da nossa galáxia Via Láctea, 3 vezes a inflação (11,25% contra 4%) e, diga-se de passagem, de forma absolutamente voluntária. Aqui deixamos ao leitor que se permita a devaneios sobre os motivos, e faça sua próprias ilações. E lembrando que, desde 2003, os bancos batem, ano-a-ano, recordes de lucros, os mais altos da nossa história, e dos maiores do mundo, se não os maiores em termos relativos.

A taxa de juros mantida no atual patamar, e estamos falando de juros reais (relativos), de 200%, e não nominais (absolutos), além de impedir a tomada de empréstimos e do crescimento, aumenta muito a dívida. Devemos fazer um aparte para lembrar que o volume de crédito no Brasil é de 34% do PIB, enquanto nos países emergentes é de mais de 60%. E nos desenvolvidos cerca de 120%.

Com essa taxa de juros, o país paga aproximadamente 160 bilhões de reais de por ano aos detentores da dívida pública. Enquanto isso, o superávit primário – tudo o que o país economiza no ano – representa mais ou menos a metade das necessidades financeiras para o pagamento dos juros. Isso implica em emissão de mais títulos para tomada de capital, para pagamento da diferença, aumentando mais a dívida pública. É um círculo vicioso nefasto.

E o pior é que não há porque os juros serem tão altos, já que a inflação continua sob controle, o dólar está baixo, o país não tem crescido a contento, não há consumo fugindo à nossa realidade histórica, etc. A média mundial da taxa de juros é de dois pontos percentuais acima da inflação, o que significa que, regularmente, a taxa de juros de nosso país deveria estar no patamar de cerca de 6% ou pouco mais.

Todos podem imaginar o que ocorreria com o país – que há mais de uma década não consegue acompanhar o crescimento médio mundial, e está há 27 anos praticamente estagnado – se mudássemos este quadro. Se ao invés de 160 bilhões de reais em juros da dívida, pagássemos apenas cerca de 80 bilhões ou pouco mais, poderíamos reduzir a dívida ao invés de aumentá-la, com todos os benefícios que isso significaria. Como contrapartida, sem tanta pressão pela rolagem da dívida pelo governo, os juros cairiam na ponta dos bancos, seguramente.

Pobre Brasil, com todas as chances nas mãos, continua jogando pela janela da insensatez as oportunidades ainda oferecidas pela economia mundial. Esta que cresce nos últimos 5 anos às maiores taxas dos últimos 35 anos. E não soubemos aproveitar as oportunidades.

Bertrand Russel: A principal causa dos problemas do mundo de hoje é que os obtusos estão seguríssimos de si, enquanto os inteligentes estão cheios de dúvidas”

Jornal DCI de 16/01/2008

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

Share This Post On

Submit a Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *