Etanol, bio-diesel e a megalomania

 

Sabemos que o Brasil criou o Etanol na década de 70 do século XX, o que ocorreu na esteira das dificuldades com os choques do petróleo de 1973 e 1979, em que importávamos 90% do petróleo que consumíamos. E temos que nos orgulhar disso. Na ocasião, os países produtores utilizaram a commodity como uma poderosa arma, o que vem ocorrendo até hoje. É só acompanhar os movimentos da OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo, e sua manipulação da produção para elevação de preços. Hoje ele é uma arma política e de guerra silenciosa.

Após estar confinado ao Brasil por três décadas, o álcool começa a ter visibilidade mundial em face dos problemas de sobrevivência enfrentados pelo planeta, o que coloca o nosso país no centro das atenções nesse assunto. A razão é que somos um dos dois maiores produtores mundiais, e juntamente com os EUA a produção alcança 72% da mundial. Somos importantes na atividade.

Só que ao longo do tempo temos sido o país das grandes megalomanias inúteis, e todos se lembram da rodovia transamazônica, usinas nucleares, maracanã, e muitas mais. O maior é nosso.

Ninguém se preocupa, no entanto, com o que interessa, que é sermos grandes economicamente. O que pode ser constatado a todo momento.

Dentro das grandiosas inutilidades, temos as econômicas, onde somos campeões absolutos dos juros, da carga tributária, do baixo crescimento. Somos campeões da corrupção, da ínfima devolução ao povo brasileiro, da consideração, etc. etc.. Queremos assento permanente no Conselho de Segurança da ONU – Organização das Nações Unidas, e assim vai. Não estão lá a Alemanha, Japão e outras potências, mas nós queremos.

Um pouco mais de modéstia e bem mais trabalho e razão, e seríamos melhores.

Agora, nossa última megalomania atende por dois combustíveis, o etanol e o bio-diesel. Nada contra os combustíveis, obviamente, até pelo contrário, mas estamos deixando, uma vez mais, que a emoção passe à frente da razão. Já estamos pensando em abastecer o mundo e sermos reis dos combustíveis. Nem sabemos porque ainda não estamos falando ou já não criamos a OPEEB- Organização dos Países Exportadores de Etanol e Bio-Diesel. Mas, temos certeza de que é uma questão de pouco tempo.

Toda megalomania tem que ter freios, e vamos tentar trazer alguma para este assunto, mesmo reconhecendo que não somos, nem de longe, os reis da verdade.

Não podemos deixar de pensar que se o mundo resolver utilizar apenas o combustível limpo, certamente será impossível fazê-lo com estes dois combustíveis. O planeta, com certeza, não tem espaço para isso. O Brasil é, praticamente, o único país com grandes dimensões para aumento da produção agrícola. Os demais já tem espaços limitados. Ainda que utilizássemos todo nosso espaço disponível, com certeza seria impossível atender  toda a demanda necessária para alimentar todos os veículos do planeta. Só no Brasil, a produção anual anda ao redor de quase 3 milhões de veículos. Começamos a temer mais pela nossa Amazônia que, uma vez mais, poderá pagar um alto preço por uma possível insensatez.

Devemos lembrar que já foi dito que, se todos os países do mundo resolvessem adicionar apenas 10% de álcool à gasolina, o consumo seria de 130 bilhões de litros/ano. A produção brasileira hoje é de 17,5 bilhões e a dos EUA, de 20 bilhões, sendo a mundial de pouco mais de 50 bilhões de litro/ano.

Devemos nos lembrar que, com ou sem etanol e bio-diesel, “quase com certeza” as pessoas continuarão tendo a necessidade de alimentar-se, um princípio absolutamente básico na via humana. E só nos faltaria agora termos uma competição entre alimentos e combustíveis, o que nos colocaria no pior dos mundos.

Sem sermos experts no assunto, e apenas baseados em nossos parcos conhecimentos, podemos dizer que mesmo com toda a terra produzindo os combustíveis não seria possível atender a demanda atual e futura. Trememos só de pensar que apenas um país, a China, com 1/5 da população mundial, ainda tem pouquíssimos carros rodando, e que está começando a ter poder aquisitivo para tal. E caminhando para ser o maior produtor mundial de veículos. Sem pensar no que pode ocorrer com o desenvolvimento acelerado de seu vizinho, a Índia, com 15% da população mundial. Os dois juntos quase 2,5 bilhões de almas, 40% do todo, e ainda com frotas minúsculas.

Sem nos esquecermos que, para cada litro de combustível fóssil, necessitamos de cerca de 1,4 litros de combustível vegetal. O álcool percorre apenas uns 70% do espaço da gasolina.

Assim, precisaríamos contar com outros planetas, que teríamos que colonizar, e que se mostrassem adequados à agricultura, para fazermos face à demanda.

Portanto, acreditamos que temos que ir devagar com o andor, que o santo é de barro (piegas, mas válido), antes de nos metermos em mais uma de nossas megalomanias, parte integrante do nosso Brasil, varonil, cor de anil.

Precisamos é de muitas alternativas. Por outro lado, também temos que pensar em conjunto, o mundo todo, até quando o planeta poderá agüentar essa corrida desenfreada por mais produção de veículos individuais, poluição, destruição, etc..

Também não devemos nos esquecer que a vida é mais que dinâmica, e que a economia é diferente a cada dia. E que a tecnologia avança rápido. Assim, como pensar que tantos países que dependem do petróleo, e são dezenas em duas centenas, simplesmente ficarão parados, esperando o fim do mundo, montados sobre dezenas de anos de consumo de petróleo.

Concluindo, podemos dizer que é lícito pensarmos em alternativas, em especial em combustíveis limpos e alternativos, e devemos fazer isso, mas não da forma megalomaníaca que parece que estamos começando a fazer. Nós e os EUA já nos consideramos os reis da cocada preta nessa matéria. E ela nem começou ainda. E olhe que a história nunca é lembrada, o que é uma característica brasileira. Mas, como somos inconvenientes, vamos lembrar que não devemos esquecer da borracha, que também éramos os reis citados acima.

revista Trade and Transport

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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