Hidrovia – o descaso brasileiro revisitado

 

É no mínimo estranho se ver um país com cerca de 42.000 quilômetros de rios, em que a sua utilização seja tão irrisória e marginal. E vide que o fluvial é o transporte mais barato entre todos os modos. Isso torna incompreensível seu quase abandono e falta de utilização intensiva num país com logística pobre e cara.

E é sabido, pelo que se lê e ouve, que apenas cerca de 15.000-20.000 quilômetros são hidrovias e somente 10.000 são utilizados. Isso nos parece um contra-senso, considerando que temos rios que praticamente cortam o país todo. Em que poderíamos ter uma extraordinária rede de navegação interior. E, se aliada ao transporte rodoviário, mudaríamos bastante nossas péssimas matriz de transporte e logística, hoje baseadas no transporte rodoviário.

Apenas o sistema Tietê, Paraná e Paraguai apresenta um vasta rede de cerca de 7.000 quilômetros de rios, quase equivalente à nossa costa marítima. E ainda situada na melhor e mais desenvolvida região econômica do país e da América do Sul. Hoje o Tietê, juntamente com os rios Paraná e Paraguai, formam a chamada hidrovia do Mercosul, em que vários países do cone sul de nosso continente são favorecidos. E praticamente todo ele é navegável com as eclusas do Tietê, restando apenas Itaipu. Em que, também segundo se sabe, há um desnível de 120 metros, sem eclusa, e que obriga a transferência temporária da carga para a rodovia, para depois retornar à hidrovia.

O sistema amazônico também é uma via fluvial de pouca utilização, o que é pena. Numa área que pode ter um desenvolvimento extraordinário, e é o que parece que vai acontecer. Com o chamado Arco Norte, privilegiando-se os portos do Norte, para embarque das mercadorias produzidas no centro oeste, isso será uma realidade inconteste. E a hidrovia será básica nesse processo.

Até agora apenas “algum transporte” tem sido realizado pelas nossas hidrovias, carentes de uma consideração maior de todos os governos passados, e que poderiam fazer muito mais pela logística brasileira.  Esperamos, com ansiedade, a promessa que já se faz sentir, da BR dos Rios, a exemplo da BR do Mar, que promete ser uma revolução logística. Com as duas juntas, não há dúvida de que nossa matriz de transporte e logística mudarão sensivelmente, para muito melhor.

Como a ferrovia que está a pleno vapor, e promete revolucionar, a hidrovia também pode ser um grande canal de desenvolvimento de um país que necessita muito recuperar o tempo perdido. Que já se conta em quatro décadas de desenvolvimento bem abaixo da média mundial, desde 1981. E também de sua própria média histórica do século XX. Transportar parte das nossas mercadorias por essa via de transporte é permitir que elas cheguem às prateleiras de nossos varejistas a preços menores, contemplando o círculo menor preço, mais consumo, mais produção, mais emprego, etc.

Como muitos especialistas acreditam, e ousamos nos incluir nesse meio como aprendiz de feiticeiro, a logística é um dos nossos calcanhares de Aquiles. Isso torna ainda mais incompreensível a falta de um olhar mais generoso a esse modo de transporte, com todos os privilégios com que fomos agraciados pela mãe-natureza. Nossa distribuição física de mercadorias precisa do transporte fluvial, e urgente.

É só vermos o que ocorre no exterior, em que os rios europeus são de vital importância para importantes portos como Rotterdam e Antuérpia. Sem contarmos a França, onde o modo fluvial é de muita importância, em que nos arredores de Paris temos um porto fluvial com pouco do que as dimensões do porto de Santos, tendo cerca de 12 quilômetros.

Nos EUA, elas são uma das causas de eles terem um custo logístico bem mais baixo que nós. Lá, o Tio Sam tem e usa muito bem os rios Mississipi, Missouri e Ohio, que têm papéis fundamentais na sua economia. E, no Brasil, “Ohaios”(sic) que o partam. Deixem nossos rios em paz, dizem os ecochatos. Muito diferentes dos ecologistas, já que estes defendem e primam pela natureza e o planeta.

E não é de hoje que elas fazem falta. Estamos lembrando que essa situação já pode ser comprovada aqui mesmo entre nós no passado. Em uma tabela de custos divulgada pela imprensa em 1997. Em que o transporte da soja de São Simão, em Goiás, para o porto de Santos, via rodoviária, custava US$ 35.00 a tonelada. E quando levada via fluvial até Pederneiras, um terminal intermodal no interior de São Paulo, sendo posteriormente colocada na ferrovia para ser transportada até o porto de Santos, tinha um custo de frete de US$ 12.00. Será que isso mudou para melhor sem a hidrovia, bem como a ferrovia, que vem deixando a desejar desde meados do século XX? Em que esta, pelo menos, já tem dado demonstração de vigor nos últimos anos, prometendo revolucionar, junto com a BR do Mar, a logística brasileira. Falta a hidrovia.

Assim, é necessário “começar a descobrir” o obvio que todo mundo já sabe. Que um processo logístico mal desenvolvido, ou mal utilizado, pode ser mortal para a competitividade, em especial para um país como o Brasil, em que o desenvolvimento é mister. Também por que, se analisarmos o mapa-mundi, veremos que, sem nenhuma culpa nossa, que é geográfico, nós nos escondemos. Com exceção de alguns poucos países, e num continente pobre como o nosso, todos os nossos grandes compradores e fornecedores estão muito distantes.

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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2 Comments

  1. Há casos estranhos que precisam ser discutidos. Por exemplo, citamos cargas procedentes de Manaus e destinadas ao Rio Grande do Sul. A primeira pernada (Manaus/Belém) é feita por via fluvial e a segunda (Belém/RGS) por via rodoviária. Do ponto de vista logístico, de transporte e de seguro, não seria mais lógico e racional utilizar-se do meio de transporte cabotagem, de Manaus até o Rio Grande do Sul e deixar-se o meio de transporte rodoviário somente para os percursos iniciais e complementares à viagem marítima de cabotagem?

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    • Amigo Odair, bom dia,
      Desculpe o atraso.
      Não tenha dúvida. Isso é o que ensinamos e escrevemos. É muito mais lógico, mais barato.
      Temos seguintes explicações para o que é feito.
      Desconhecimento, Falta de tradição e confiança no transporte marítimo. As empresas precisam se informar e ver o que está acontecendo.
      Pode ocorrer de não ter navio para o dia desejado, e não se tem paciência de esperar.
      Pode ocorrer de não se fazer as contas, pois logística é “ponta do lápis”, e nem sempre isso é feito, e se vai no tradicional.
      É uma pena que isso aconteça e tenhamos mais altos custos logísticos do que seria o normal.

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