Hidrovia: o descaso brasileiro
É estranho que num país com cerca de 42.000 quilômetros de rios, a sua utilização seja tão irrisória e marginal. E vide que o fluvial é o transporte mais barato que temos. Assim, é incompreensível seu quase abandono e falta de utilização intensiva.
E pelo que se sabe, apenas cerca de 16.000 são hidrovias e somente 8.000 são utilizados. Isso é no mínimo um non-sense, considerando que temos rios que praticamente cortam todo o país, ainda que em conjunto, em que poderíamos ter uma extraordinária rede de navegação interior.
Apenas o sistema Tiête, Paraná e Paraguai apresenta um vasta rede de cerca de 7.000 quilômetros de rios, quase equivalente à nossa costa marítima. E vide que, situada na melhor região econômica do país e da América do Sul. Hoje o Tietê, juntamente com os rios Paraná e Paraguai formam a hidrovia do Mercosul, em que vários países do cone sul de nosso continente são favorecidos. E praticamente todo ele é navegável com as eclusas do Tietê, restando apenas Itaipú, em que há um desnível de 120 metros, sem eclusa, e que obriga a transferência temporária da carga, por 37 quilômetros, para a rodovia.
O sistema amazônico também é uma via fluvial de pouca utilização, o que é pena.
Apenas “algum transporte” tem sido realizado pelas nossas hidrovias, carentes de uma consideração maior do governo, que poderia fazer muito mais pela logística brasileira.
Como a ferrovia, a hidrovia também pode ser um canal de desenvolvimento de um país que necessita muito recuperar o tempo perdido de três décadas de desenvolvimento bem abaixo da média mundial, e de sua própria média histórica do século XX. Transportar parte de nossas mercadorias por essa via é permitir que elas cheguem às prateleiras de nossos varejistas a preços menores, idealizando o círculo menor preço, mais consumo, mais produção, mais emprego, etc.
Como muitos especialistas acreditam, e ousamos nos incluir nesse meio como aprendizes de feiticeiro, a logística é um dos nossos calcanhares de Aquiles. Isso torna ainda mais incompreensível a falta de um olhar mais generoso a esse modo de transporte, com todos os privilégios com que fomos agraciados pela mãe-natureza. Nossa distribuição física de mercadorias precisa do transporte fluvial.
É só vermos o que ocorre no exterior, em que os rios europeus são de vital importância para importantes portos como Rotterdam e Antuérpia. Sem contarmos a França, onde o modo fluvial é de muita importância, em que nos arredores de Paris temos um porto fluvial com as dimensões do porto de Santos, de cerca de 12 quilômetros.
Nos EUA elas são a causa de terem um custo logístico da soja mais baixo que nós, invertendo uma situação desfavorável em relação à sua produção quando comparado ao Brasil. Nós produzimos mais barato, mas a colocamos no navio mais caro. E a explicação é singela. Enquanto 70% da nossa é levada aos portos pelas rodovias, a do Tio Sam segue para o porto pelas hidrovias, em que o rios Mississipi, Missouri e Ohio têm papéis fundamentais na sua economia. E, no Brasil, “Ohaios”(sic) que o partam.
E essa situação pode ser comprovada aqui mesmo entre nós, em uma tabela de custos divulgada pelo jornal Folha de São Paulo em 1997, e que voltou a ser publicada ao final de 2005. Em que o transporte da soja de São Simão, em Goiás, para o porto de Santos, via rodoviária, custava US$ 35.00 a tonelada. E quando levada via fluvial até Pederneiras, no interior de São Paulo, sendo posteriormente colocada na ferrovia para ser transportada até o porto de Santos, tinha um custo de frete de US$ 12.00.
Assim, é necessário “começar a descobrir”, obviamente o que todo mundo já sabe, que um processo logístico mal desenvolvido, ou mal utilizado, pode ser mortal para a competitividade, em especial para um país como o Brasil, em que o desenvolvimento é mister. Também por que, se analisarmos o mapa-mundi, veremos que, sem nenhuma culpa nossa, que é geográfico, nós nos escondemos. Com exceção de alguns poucos países, e num continente pobre como o nosso, todos os nossos grandes compradores e fornecedores estão muito distantes. E, pior, estão perto dos mais desenvolvidos ou em desenvolvimento efetivo, como é o caso dos continentes europeu e asiático, e o subcontinente norte-americano.
jornal Diário do Comércio (BH)
revista Porto S.A.