Indústria Naval Brasileira (Nova Função para o FMM)

 

Uma questão pode ser lançada àqueles que militam na maravilhosa e extraordinária atividade do comércio exterior, principalmente na área de transportes e logística, com especial ênfase para o shipping: porque um país com 8.000 quilômetros de costa marítima não tem uma marinha mercante forte?

O que terá acontecido nas últimas 2,5 décadas, em coincidência com o patinar de nossa economia que cresceu apenas uma média de 2,2% ao ano, à nossa marinha mercante? Todos sabem que esta chegou a deter, no início dos anos 80, cerca de 30% das nossas mercadorias transportadas pela via marítima. Hoje essa relação é de cerca de 1%, com alguns falando em até 3%.

Temos lido algumas opiniões no sentido de que um país como o Brasil não pode dar-se ao luxo de transportar sua carga praticamente toda em navios estrangeiros, porque isso custa, segundo os entendidos da área, aproximadamente 8 bilhões de dólares norte-americanos em frete e afretamento. E as nossas divisas são por demais importantes para serem gastas com aquilo que poderíamos ter em casa. Dizem também que, com uma frota maior, poderíamos influenciar os fretes internacionais, os quais andaram subindo muito nos últimos tempos.

Quanto a esses argumentos, pode-se estar a favor ou contra, mas são insuficientes para querermos uma frota brasileira forte. Em primeiro lugar, porque divisas podem ser feitas com bons superávits, e isso tem sido feito. Em segundo lugar, porque influenciar os fretes internacionais é sonhar alto demais, considerando os megacarriers existentes hoje no planeta. Isso é virtualmente impossível e não devemos ter ilusões dessa magnitude.

Precisamos de uma frota forte sim, mas pelos simples motivos de que já fomos grandes, e nosso país já foi o segundo maior produtor de navios do mundo. Também pelo fato de que é uma vergonha não termos uma frota mercante quando nossa costa é tão grande e nosso comércio exterior, em termos de peso, é feito em 95% pela via marítima.

E, em especial, até pelo vergonhoso AFRMM – Adicional de frete para renovação da marinha mercante, que arrecada, segundo números que se lê, mais de um bilhão de reais. E ainda assim a nossa participação marítima reduziu-se de 30% para 1-3% em apenas um quarto de século.

O que será que aconteceu com o FMM – fundo da marinha mercante desde 1958? O gato comeu?

Gostaríamos de propor uma nova utilização para o FMM, talvez melhor do que a atual dos últimos anos, em especial virar mais uma simples parcela do superávit primário para pagar juros aos banqueiros com a absurda taxa de juros que temos, com vergonhosos mais de 10 pontos percentuais acima da inflação, a maior do mundo.

Acompanhando o noticiário temos visto que a Coréia, maior país produtor de navios do mundo, tem atualmente quase 1000 navios encomendados. Temos visto também que o preço médio por slot, embora tenha subido cerca de 50-60% nos últimos poucos anos, está na casa de quinze mil dólares para navios de cerca de 10.000 TEUs.

Isso quer dizer que um navio desse tamanho tem seu preço em cerca de 150 milhões de dólares. Segundo noticiário da época, navios encomendados por uma jovem empresa atuando na cabotagem brasileira, de 1.700 TEU, há cerca de 3-4 anos, custaram 20 mil dólares por slot. E lemos, na ocasião, que a Samsung coreana os construiria por 10 mil dólares norte-americanos por slot.

10, 16 ou 20 mil dólares por slot não fazem diferença, já que todos sabemos que o FMM não é retirado dos altos e escorchantes impostos recolhidos no país. Mas é pago pelo importadores que subsidiam, ou deveriam fazê-lo, de acordo com a filosofia do AFRMM.

E já que é assim, por que não utilizarmos esse dinheiro efetivamente na construção de uma frota mercante forte?

Propomos que cada navio construído no país tenha seu preço ditado pelo mercado internacional, como tem ocorrido com muitas outras coisas. Como, por exemplo, o que ocorre com os combustíveis, uma vergonha nacional. Ninguém consegue entender essa política de preços – dobro do preço da gasolina nos EUA – se o petróleo brasileiro, no qual já somos auto-suficientes, é produzido pela Petrobrás em reais e com salários brasileiros. E tendo lucros de cerca de 10 bilhões de dólares norte-americanos, parecido com o lucro do Wal-Mart, maior cadeira varejista do mundo. É um non-sense.

Sendo assim, da mesma forma deveríamos fazer com a nossa indústria naval, colocando a fundo perdido a diferença entre os preços nacionais e os internacionais. Com isso, o FMM seria dividido em duas partes. Uma seria usada para financiar a construção do navio, como já ocorre hoje, obviamente a juros privilegiados já que toda a nação ganharia com isso. A outra parte seria colocada a fundo perdido para cobrir a diferença da produção brasileira e a internacional. Em consonância com nosso pensamento de “economia globalizada”, ou “a caminho”.

Afinal, não é um dinheiro que vem do nada em termos de impostos? E não é recolhido simplesmente para a indústria naval?

Por outro lado, nenhuma matéria-prima, partes e peças, etc., deveria ser objeto de cobrança de qualquer tipo de impostos, a exemplo do Reporto, já que, um navio não é um bem de consumo, mas um bem de capital, ou seja, serve à produção, e transporte é produção.

Parece-nos que essa seria a única forma de, ao mesmo tempo, disputarmos mercado com os estaleiros estrangeiros, recuperarmos parte da nossa hegemonia passada, e convencermos os armadores nacionais e internacionais a encomendar navios ao nosso país. E assim, finalmente, darmos um uso decente ao dinheiro que é recolhido desde a sua criação em 1958, exatamente para aquilo que deve realmente servir.

Diferentemente dos vergonhosos CPMF e CIDE, que da mesma forma nunca foram aplicados para aquilo que foram criados, o que se constitui, claramente, num crime.

“Bill Moses: God must have been a shipowner. He placed the raw material far from where they are needed and covered two thirds of the world with water”

Revista Sem Fronteiras – Maio/2005

Revista O Contêiner – Maio/2005

Jornal Portos e Comércio Exterior – 2a. Quinzena Maio/2005

Jornal DCI – 10/12/2008

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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