Investment grade – que péssima hora!

 

Missão cumprida da Standard & Poor’s dando o investment grade ao Brasil. Todos devem concordar que esta nota veio em hora absolutamente inesperada. Só não entendemos o rodízio de diretorias logo em seguida, com a atual diretora que concedeu a nota sendo transferida para cuidar do México, nomeando-se outro consultor para cuidar do Brasil.

Em especial que estamos em tempos de crise, com a economia mundial começando a ter uma pequena reversão. Em que já não deverá crescer nos próximos anos às mesmas taxas dos últimos 5 anos, que foram as maiores dos últimos 35 anos. Afinal de contas, uma redução no crescimento da maior economia do mundo, como a dos EUA, traz problemas ao conjunto da economia. Sem falar na alta extraordinária dos preços dos alimentos, e com o preço do petróleo batendo seguidos recordes nos mercados internacionais.

Realmente uma hora inadequada, para não dizer estranha, de se dar um investment grade a um país. Até porque, dá-se uma nota dessas apenas com base num dos fundamentos ou dados de uma economia, que é a sua capacidade de honrar seus compromissos. Assim, qualquer pessoa pode imaginar que o investment grade foi dado apenas em função da acumulação, por parte do governo, de uma reserva de cerca de 200 bilhões de dólares norte-americanos. Quantia suficiente para pagar toda a dívida externa, o que significa não ter problemas de pagamento.

O que quer dizer que se não tivéssemos acumulado esta montanha de dólares, o investment grade não teria sido dado. E, nem importa o custo que essas reservas estão tendo, dando um prejuízo brutal ao país. Para essa compra, vende-se títulos públicos a juros altíssimos, aumentando extraordinariamente a dívida interna em poder do público e no Banco Central, de cerca de 1,6 trilhão de reais. Que pode ser considerada quase impagável, enquanto os dólares das reservas são aplicados no mercado internacional a cerca de 3,5%. Com o superávit primário atingindo apenas cerca de metade das necessidades dos juros da monstruosa dívida de quase 2/3 do PIB brasileiro.

E como pode a simples capacidade de pagar dívidas ser suficiente para alçar o país ao grau de investimento? Obviamente que isso é um contra-senso.

Temos a mais alta taxa de juros do mundo, cerca de três vezes a média mundial de pontos percentuais acima da inflação. A nossa está em cerca de sete pontos, enquanto a média mundial é de 1,5 a 2 pontos. A nossa taxa de juros significa, em percentagem, mais de 160% acima da nossa inflação. Nossa carga tributária também é a maior do planeta, em que se tributa e se recolhe cada vez mais, e os serviços são cada vez mais pálidos, esquálidos.

Nem o ajuste fiscal foi feito e, cada vez que se faz uma reforma tributária, é para mexer em pouquíssimos pontos. E, sem contar o tradicional, em que reforma no Brasil significa, invariavelmente, aumento de impostos.

Por que isso não conta para o investment grade? Com isso, podemos concluir que para uma agência de análise de risco, a única coisa que conta é se o investidor, emprestador, especulador, etc., receberá de volta o que colocou em tal mercado? Assim, uma agência de análise de risco é um posto avançado de credores? E o investment grade é na realidade para os credores e não para o país? É isso que se acaba de dizer para nós?

Esperamos que não ocorra também com as outras agências, o que seria muito prejudicial ao país. Quem conhece a economia brasileira sabe que seus fundamentos são muito fracos, não dando condições de receber um investment grade.

O que teremos agora é nossas autoridades se achando, pensando que o país vai bem, quando há tudo por fazer. Reforma tributária, ajuste fiscal, revisão da previdência social, que poderá quebrar em breve, deixando os aposentados a ver navios, política industrial, reforma agrária, etc. etc. ficam parados agora? Provavelmente sim, já que está tudo bem e somos investment grade.

Como ficarão agora os dólares especulativos que entrarão no país já que não há mais a possibilidade de calote? Com a nossa taxa estratosférica de juros agora seremos o paraíso máximo da especulação.

Enquanto isso, nossa taxa de câmbio poderá atingir níveis que inviabilizarão nossas exportações, e teremos que ter o mercado interno absorvendo toda a sobra, o que pode ser impossível.

Parece que ninguém se deu conta do que tem sido dito a respeito dos números do nosso comércio exterior de 2008. Que as importações estão crescendo a um ritmo várias maior que as exportações. E que, pior que isso, as nossas exportações estão crescendo apenas em valores, visto que em quantidade estão menores do que em 2007. O que significa que, se os preços das commodities voltarem a cair, a vaca irá literalmente para o brejo.

Mas, que importa, agora temos o investment grade, e a FIB-felicidade interna bruta é maior do que nunca antes neste país.

Pobre Brasil!

Bertrand Russel: A principal causa dos problemas do mundo de hoje é que os obtusos estão seguríssimos de si, enquanto os inteligentes estão cheios de dúvidas.

Jornal DCI de 08/05/2018

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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