Marinha Mercante Brasileira

 

Nos últimos tempos temos ouvido, bem como lido, muitos comentários de que a recente alta de fretes na navegação marítima é devida a falta de uma marinha mercante brasileira. Tenho impressão de que isso tem se alastrado o suficiente para fazer muitas pessoas acreditarem que seja verdade.

É preciso parar imediatamente de acreditar em papai-noel, que já passamos dessa idade. Não que não devemos ter sonhos, que isso é bom para o ser humano em qualquer fase da vida, mas não dessa magnitude. É preciso ser mais realista e ver a situação sem fantasias.

Ninguém pode, em sã consciência, acreditar que o Brasil pode mudar a história dos fretes se criar um marinha mercante forte. E mesmo acreditar que isso ocorrerá se ela se assemelhar àquela que tínhamos nos idos da década de 70, de transporte de cerca de 30% do nosso comércio exterior.

É preciso considerar que os problemas vão muito além da força brasileira no comércio exterior, coisa que sabemos que isso nem ocorre. Nossa corrente de comércio, de cerca de 120 bilhões de dólares norte-americanos, representa cerca de 0,8% da corrente de comércio mundial de 14 trilhões de dólares. O tráfego de mercadorias na rota norte-sul é de cerca de 1,5% do mundial, detendo a rota leste-oeste 98,5% da movimentação de carga.

Com esses números frágeis não se pode interferir nos fretes mundiais. Há armadores que podem realizar sozinhos  o transporte de todas as unidades utilizadas no nosso comércio exterior do Oiapoque ao Chui.

É preciso considerar, além disso, que mesmo quando representamos muito mais, conforme já citado, ainda assim não tínhamos condições de influenciar os fretes internacionais.

Além disso, devemos entender que hoje há uma variável bastante considerável influenciando os fretes internacionais, bem como a disponibilidade de espaço, que é o planeta China.

Este país tem crescido, nas últimas 2 décadas, o que nem um outro tem conseguido, provocando um desequilíbrio nas compras e transportes de mercadorias.

A China transformou-se num dos maiores players do comércio exterior, tendo chegado em 2003 a uma exportação de 438 bilhões de dólares, representando 5,9% da exportação global. Na importação atingiu 413 bilhões de dólares (ambos norte-americanos), percentual de 5,3% da importação global. Isso representou cerca de 40% de acréscimo em cada via em comparação com o ano de 2003, mostrando a força desse país que se descobriu para o desenvolvimento e para o comércio exterior. Um excelente exemplo para o Brasil, se este país levasse em conta os bons exemplos.

A China é hoje o maior usuário de aço no mundo, que segundo se lê, atinge 1/3 da produção mundial, sendo também o maior comprador de soja do mundo.

Isso sim é poder de barganha, e não somente pelos números em si, que os EUA, Alemanha e Japão “ainda” apresentam valores maiores de intercâmbio, mas pela velocidade do crescimento do seu comércio exterior. Sem dúvida 2004 marcará a sua ascensão para o terceiro lugar, que a sua diferença em relação ao Japão é ínfima.

Faltam navios e containers no mundo para atender à pujança do mercado chinês, o que está provocando um desbalanceamento global, com falta de equipamentos e aumento dos fretes. Afinal, ainda não se conseguiu revogar a lei da oferta e procura, embora muitos países tenham tentando essa proeza, em especial no passado século XX.

Essa situação somente será ajustada com o tempo, construindo-se mais navios e containers, o que já vem ocorrendo freneticamente. Os armadores, como soy acontecer, estão aproveitando a oportunidade do grande crescimento mundial do comércio exterior e aumentando suas frotas e consolidando posições.

Os estaleiros mundiais estão abarrotados de encomendas, e pode-se verificar que, inclusive o Brasil, está se aproveitando dessa fabulosa oportunidade, cujos estaleiros foram reativados com a retomada do transporte de cabotagem, que é o modal que mais cresce no país com relação ao transporte de cargas.

Assim, é mera ilusão supor que apenas porque nossa marinha mercante foi devastada ao longo das últimas décadas de 80 e 90, estamos hoje sofrendo com fretes altos. Fretes que, alias, ao que me lembre, nunca foram mais baixos, no geral, do que tem sido nos últimos anos, fruto do crescimento da oferta de navios. E, em especial, dos seus tamanhos, grandes o suficiente para terem custos de operações mais reduzidos do que pequenos navios. Bem como também pelo aumento da eficiência dos portos mundiais.

revista Portos e Navios

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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