Olimpíada de erros

Hoje, em meio a artigos novos que temos enviado, e em meio a tempos mais que turbulentos pela exclusiva incompetência do governo atual, queremos também relembrar o nosso artigo “Olimpíada de erros” (pelo menos este trem morreu) publicado no jornal DCI de 06/10/2009.

 

Temos de dizer, uma vez mais, que o Brasil é um país no mínimo estranho. Primeiro lutou bravamente para fazer a copa de 2014. Que achamos uma loucura, e já falamos sobre ela. Bem como sobre o trem de alta velocidade, um projeto inaceitável para o Brasil atual.

Agora, como se não bastassem nossas megalomanias anteriores, novamente jogamos todos os trunfos para ganharmos o direito de realizar a olimpíada de 2016. Nossa capacidade de errar é infindável.

Claro que não somos contra o País aparecer, ser considerado no mundo, realizar eventos majestosos. Mas, não bastassem os bilhões de reais dos dois eventos anteriores, agora temos mais 26 bilhões de reais nesse novo projeto. E, mais uma vez, somos obrigados, pelo nosso histórico, a duvidar desse valor. Sabemos que ele será multiplicado muitas vezes O Pan-americano custou 10 vezes mais.

O país não tem de pensar no supérfluo. Não tem de pensar em fazer grandes coisas para aparecer perante o mundo. Parafraseando o futebol, tão em moda na nossa república, temos de jogar o arroz com feijão. Nada de sofisticação. Isso pode ficar para o futuro, quando houver condições para isso.

Se há tanto dinheiro assim para gastar com esses três eventos, é de se perguntar porque a saúde anda tão mal. Já que está sobrando, também precisamos perguntar por que recriar a Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras, que nada tem de provisória (CPMF),  como Contribuição Social para a Saúde (CSS). E que estamos até usando a insípida gripe suína para convencer nossos ilustres (sic) parlamentares. E também porque morremos em portas e corredores de hospitais públicos.

Se há tanto dinheiro sobrando, também precisamos saber por que os professores da união, de estados e de municípios ganham tão mal, o que se reflete nos demais da iniciativa privada. Também porque nossa educação não passa nem perto do que o povo brasileiro merece. E é só ver, por exemplo, o que ocorre quando participamos de disputas internacionais.

Se há tanto dinheiro disponível, precisamos de explicações sobre o porquê de não investirmos na geração de empregos. E todos sabem que temos no país apenas 33 milhões de carteiras assinadas para uma população economicamente ativa de 90 milhões de brasileiros –  conforme denunciamos há pouco tempo também. E, 50 milhões de brasileiros tendo de receber a bolsa-esmola por não ter emprego para uma vida digna, para que ganhem o próprio sustento.

Considerando que o dinheiro está sobrando, entendemos que também merece explicação o fato de o governo federal dever 1,9 trilhão de reais ao povo brasileiro e ter de fazer tanto esforço para o superávit primário. E que nunca cobre os juros da dívida, o que a faz crescer muito e continuamente.

Nossa megalomania não vê nada além do reconhecimento mundial de que ganhamos o direito de realizar a olimpíada. Como já ocorreu antes com a copa e com o insuperável trem de alta velocidade.

E devemos lembrar, segundo todos leram, nos diversos jornais, que o Brasil é o país que mais se prontificou a colocar dinheiro na olimpíada. E, veja que não estávamos disputando com nenhum país sul-americano ou sul-africano, com todo o respeito que nos merecem: estávamos numa disputa com países ricos do calibre dos Estados Unidos, do Japão e da Espanha. Só para lembrar: os dois primeiros são as duas maiores economias do mundo. E nós apenas a décima, mesmo em termos absolutos, porque em termos relativos, que é o que importa, pela renda per capita, nossa posição é terrível. Temos muitas dezenas de países à nossa frente. Por exemplo, a Europa toda.

Então fica a pergunta que, como se costuma dizer, não quer calar. Qual a razão do país passar a vida toda sempre pensando no supérfluo, sempre olhando a árvore, nunca a floresta?

É de se consultar o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2008, e ver que apenas metade da população tem acesso a esgoto. Nem todos têm água encanada. Seis milhões moram em favelas. Os problemas são infindáveis. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), somos apenas o 75º país do mundo, entre 182 nações, no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Estamos entre os 10 países mais desiguais do mundo.

É nisso que o dinheiro precisa ser investido. Na melhoria da qualidade de vida do cidadão. Não na qualidade do abstrato, a realização de grandes eventos. Eles podem trazer orgulho a todos, mas o orgulho tem de ser através de uma nação forte. O impacto tem que ser no que cada um tem, e não no que aparenta ter.

Realizar a Copa, o trem de alta velocidade (TAV), a Olimpíada, é apenas orgulho aparente. Isso não melhora nenhum povo. E, a exemplo do que já dissemos sobre o trem e a Copa, depois da Olimpíada sobrarão apenas lembranças. E aos problemas atuais, só ganharemos mais alguns, aumentando nossos elefantes brancos. Se há alguma dúvida sobre as grandes obras é só se reportar ao Pan-americano de 2007.

É, Brasil, parece que o importante jamais tem vez. O que vale é apenas a grandiosidade aparente. Enquanto os Estados Unidos, o Japão e a Espanha continuarão a oferecer algo substancial a seu povo, nós continuaremos a fornecer ilusões. É claro que eles também têm problemas, tem pobreza. Mas, são preferíveis os deles aos nossos. E o pior é que difundem que a Olimpíada acabará com as favelas do Rio de Janeiro. Pobre Brasil!

 

Jornal DCI de 06/10/2009

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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