RFB, conhecimento de embarque e mais um grave erro

 

  1. Histórico 2013/2017:

Em dezembro de 2013, publicamos na revista Sem Fronteiras nosso artigo RFB, conhecimento de embarque e carga. Em que criticamos severamente a Receita Federal do Brasil (RFB) pela insólita decisão de eliminar a necessidade de apresentação do conhecimento de embarque marítimo (Bill of Lading) original para a retirada da carga. Em que afrontava a regra internacional, e não sabemos se num ato impensado ou desconhecimento completo da representatividade do conhecimento de embarque.

No transporte marítimo, isso afetou os Non Vessel Operating Common Carrier (NVOCC) (Transportadores Comuns não Operadores de Navios). Erroneamente chamados pelo mercado de Agentes de Carga. Também pela RFB, que até hoje ainda não sabe o que eles são. Em que nem há lei para eles no País, mesmo operando há quatro décadas.

Estava claro que a Receita Federal do Brasil (RFB) havia entrado em seara alheia, fora de seu papel, já que esta é uma relação entre transportador e dono da carga, e nada tem a ver com ela. O Bill of Lading é contrato de transporte, recibo de carga e título de crédito, e como tal pode ser endossado (exceto o sea waybill que não é título de crédito, mas de propriedade, assim, não podendo ser endossado a terceiro).

A RFB havia excedido a sua competência. E passado por cima do Código Comercial Brasileiro, Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. Velho, antigo, mas válido, por enquanto. E por cima dos interesses dos maiores interessados, como os transportadores e fiéis depositários.

Também entendíamos que feria a Lei nº 10.833/2003 em seu art. 71, que reza:

Art. 71 – O despachante aduaneiro, o transportador, o agente de carga, o depositário e os demais intervenientes em operação de comércio exterior ficam obrigados a manter em boa guarda e ordem, e a apresentar à fiscalização aduaneira, quando exigidos, os documentos e registros relativos às transações em que intervierem, ou outros definidos em ato normativo da Secretaria da Receita Federal, na forma e nos prazos por ela estabelecidos.

Desde a determinação e demonstração de força onde não pode ter, a RFB demonstrou ao mundo como as coisas podem funcionar mal no Brasil. E prejudicar quem intervém no comércio exterior. E não apenas no País, mas no exterior.

Assim como a ela própria, por tomar atitudes incoerentes e inconsistentes com o que se passa no restante do mundo do comércio exterior.

Como dissemos, isso afetou os NVOCCs que se viam diante de uma situação estranha. De poder ver a carga entregue pelo depositário sem que eles recebessem suas despesas. E até mesmo frete. Situação absolutamente real, que não é apenas hipótese. Bastava o armador de fato receber suas despesas e frete e ele liberaria a carga. Em que o NVOCC ficava a ver navios. Para que o armador não a liberasse, o NVOCC não deveria pagar suas despesas e frete a eles. Mas, que também de nada adiantaria se a compra fosse num Incoterms® dos grupos “C” e “D”, em que o frete será pago na origem, por exemplo, CFR. O armador liberava, pois nada lhe era devido.

Prejudicava o próprio fiel depositário, desde que a Lei nº 10.833/2003 exige que ele guarde os documentos por determinado tempo. E, para o fiel depositário, entendemos que o documento a ser guardado é o conhecimento de embarque marítimo.

No exterior criou confusão e problemas para os exportadores estrangeiros, que vendem suas mercadorias ao Brasil. Em que o importador, mesmo sem pagar o exportador, apenas pagando despesas e frete, podia retirar a mercadoria. Ninguém conseguia entender o que aqui se passava.

Em 06/02/2014, a RFB publicou a Instrução Normativa nº 1.443, que, em seu art. 1º, rezava:

  • 3º – O disposto no § 2º não dispensa o depositário de adotar medidas ou de exigir os comprovantes necessários para o cumprimento de outras obrigações legais, em especial as previstas no art. 754 da Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.

Como a situação parecia mais ou menos resolvida, publicamos nosso segundo artigo RFB, conhecimento de embarque e carga – o retorno. No entanto, os NVOCCs continuavam a ter problemas já que nem todos os depositários e terminais portuários brasileiros estavam cumprindo a IN.

Depois de quatro anos de vexame internacional de um País que gosta de brincar com coisa séria, a situação foi modificada e resolvida pela RFB, com a Instrução Normativa RFB nº 1.759, de 13 de novembro de 2017, restabelecendo a ordem internacional e nacional. Para retirar a mercadoria do recinto alfandegado, o importador deveria apresentar ao depositário, entre outros, a via original do conhecimento de carga, ou de documento equivalente, como prova de posse ou propriedade da mercadoria. Também o depositário deveria arquivar, em boa guarda e ordem, pelo prazo de cinco anos a via original do conhecimento de carga.

  1. Novo erro 2020:

Agora, uma vez mais, a RFB entra novamente em seara alheia, a qual nada tem a ver. Interferindo nas relações que são exclusivas entre o armador (transportador marítimo) e os donos das cargas.

Em 24/03/2020, por meio da Notícia Siscomex Importação nº 17/2020 ela restabelece a situação de 2013, embora de maneira ligeiramente diferente. Agora ela autoriza que os depositários entreguem as mercadorias aos importadores com a mera apresentação de via digitalizada do conhecimento de embarque marítimo.

Além da incoerência e erro em autorizar esta forma, ela simplesmente atravessa e desafina na canção, legislando – pior que faz isso através de mero esclarecimento e não Lei – sobre algo que ela não pode fazer, que não faz parte da sua atribuição.

A entrega da mercadoria pelo exportador ao armador, e a sua entrega pelo armador ao importador, é uma relação exclusivamente entre eles, que contratam o transporte, a entrega da mercadoria para ser transportada e a requerem depois com a entrega de uma via original do conhecimento de embarque (Bill of Lading) ou Sea Waybill que receberam após o embarque. Os dois são contratos de transporte e recibos de carga. O primeiro é também título de crédito e pode ser endossado. O segundo é título de propriedade e não pode ser endossado.

Assim, a RFB não pode legislar, ou esclarecer, sobre a entrega da mercadoria que não é um assunto dela em hipótese alguma.

A única coisa que a RFB pode fazer é restringir-se a sua competência, que é quanto ao Siscomex, em que pode permitir que o despacho seja instruído com cópia digitalizada do conhecimento de embarque, e nada além disso. Jamais interferir nas relações entre o transportador e o dono da carga, pois ela não é transportadora e nem dona de carga, nem vende e nem compra.

Para maiores informações sobre a Notícia Siscomex vide, artigo (https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:activity:6649280137458130944/) e vídeo (https://www.youtube.com/watch?v=F4-Vhf3T0kw&feature=youtu.be) do amigo Advogado Fábio Gentil.

 

Site Aduaneiras de 03/04/2020

Author: Samir Keedi

-Mestre (Stricto Sensu) e pós-graduado (Lato Sensu) em Administração pela UNIP-Universidade Paulista. -Bacharel em Economia pela PUC-Pontifícia Universidade Católica. -Profissional de comércio exterior desde março de 1972. -Especialista em transportes; logística; seguros; Incoterms®; carta de crédito e suas regras; documentos no comércio exterior; contratos internacionais de compra e venda. -Generalista em várias atividades em comércio exterior. -Consultor em diversos assuntos relativos ao comércio exterior. -Professor universitário de graduação e pós graduação desde 1996. -Professor e instrutor técnico desde 1996. -Palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. -Colunista em jornais e revistas especializadas. -Autor de vários livros em comércio exterior. -Tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000. -Representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms® 2010.

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